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Grou-coroado se protege em pântanos na África do Sul

Estima-se que na África do Sul restem 80 casais reprodutores de grou-coroado. Foto: Ian White/CC By 2.0
Estima-se que na África do Sul restem 80 casais reprodutores de grou-coroado. Foto: Ian White/CC By 2.0

 

KwaZulu-Natal, África do Sul, 6/8/2013 – Estima-se que na África do Sul restem 80 casais reprodutores de grou-coroado. A população total no país é inferior a 260 exemplares. Muitos deles residem em um pântano da Reserva de Natureza Umgeni Vlei. Uma tarde de inverno no final de julho, o produtor de batatas John Campbell e a representante do Endangered Wildlife Trust, Tanya Smith, realizaram um levantamento dessa reserva a partir de uma colina na fazenda Ivanhoé, nas terras médias da província africana de KuaZulu-Natal.

Separada dos binóculos de Smith por um trecho de pastagens douradas, a água acumulada na bacia do pântano que alimenta o rio Umgeni brilhava sob a suave luz solar, enquanto percorria 265 quilômetros para chegar ao oceano na faixa costeira de Durban. “Neste momento temos dois pares fazendo ninho aqui”, disse à IPS Smith, alta funcionária do Programa Africano de Conservação de Grous. Uma semana antes ela havia sobrevoado o mangue para fazer o levantamento aéreo anual de aves em perigo crítico. Estes pássaros podem passar de um metro e meio de altura e se caracterizam por ter um pedaço de pele vermelha entre o bico e os olhos.

Para manter a biodiversidade de Umgeni Vlei e proteger o habitat destas aves majestosas, o governo sul-africano declarou, em abril, a reserva como “sítio Ramsar”, conferindo-lhe proteção especial enquanto “mangue de importância internacional” sob a convenção de mesmo nome. “No pântano designado como sítio Ramsar, tínhamos até sete casais reprodutores de grou-coroado, mas a quantidade varia a cada ano”, explicou Smith. “Se incluirmos os pântanos vizinhos, tivemos até 13 casais. É uma proporção enorme da população reprodutora do país”, destacou.

Os mangues localizados em terras da Companhia Agrícola Ivanhoé, cujo diretor é Campbell, servem de lar para até seis casais reprodutores destes animais. Para ajudar a conservá-los, Campbell destinou 800 hectares de terras agrícolas para reforçar a reserva. Trata-se de uma área protegida com status de reserva natural por meio do Programa de Administração da Biodiversidade de KwaZulu-Natal, que gerencia o órgão do governo provincial Ezemvelo KwaZulu-Natal Wildlife. “Penso que os grous e a agricultura podem coexistir. A maioria dos agricultores tem uma mentalidade afinada com a conservação”, disse Campbell à IPS.

A população de grous-coroados da África do Sul diminuiu nos anos 1980, em boa parte devido às mortes causadas por atingirem cabos elétricos ao voarem, bem como por envenenamento intencional e não intencional, contou Smith. A quantidade dessas aves chegou ao fundo do poço no começo dos anos 2000, e desde então aumentou gradualmente, graças aos esforços de conservação e à mudança nas linhas elétricas, acrescentou.

Os grous são a espécie mais dependente dos pântanos na África do Sul, e usam seus bicos em forma de lança para revirar os bulbos em regiões de mangues, explicou Smith. As aves são altamente territoriais e dependem dos pântanos permanentes da Reserva de Natureza Umgeni Vlei e das áreas privadas vizinhas para se alimentarem, acasalarem e fazerem ninhos. A província de KwaZulu-Natal está no centro da atividade dos grous-coroados, e abriga cerca de 90% da população do país. Muitas dessas aves residem na área de captação do trecho superior do rio Umgeni.

“Se perdermos os pássaros nestes territórios, não teremos uma população viável no país”, ressaltou Smith. Como os pântanos são os ecossistemas mais ameaçados de toda África do Sul, segundo a Avaliação Nacional de Biodiversidade de 2011, a sobrevivência dos grous está estreitamente vinculada à conservação dos mangues. Ao mesmo tempo, estes pássaros servem com “espécie indicadora”: sua presença é sinal da boa saúde dos pântanos.

“Se há grous-coroados, sabe-se que a água é de boa qualidade e que a biodiversidade está em boa situação”, disse à IPS a gerente de projetos de conservação da Fundação Grulla de KwaZulu-Natal, Ann Burke. Embora a designação da Reserva de Natureza de Umgeni Vlei como sítio Ramsar dê proteção aos grous-coroados, trata-se de apenas 958 hectares de terras.

Campbell ajuda a proteger as aves e a garantir que tenham áreas onde possam se reproduzir sem obstáculos. Ele designou como reserva 800 hectares de suas terras agrícolas, e concordou em manejá-las na qualidade de reserva. O status de reserva concedido à terra designada em Ivanhoé ficará por escrito nos títulos de propriedade da fazenda. A área protegida está em mãos de particulares e não se converte em propriedade do governo, mas a designação de reserva é vinculante se for vendida a novos proprietários.

Tais acordos de administração oferecem uma proteção de longa duração contra o desenvolvimento e as práticas agrícolas que podem colocar resíduos de fertilizantes no sistema de mangues, disse à IPS a ativista Susan Viljoen, do Fundo Mundial para a Natureza (WWF), que facilita as negociações entre os latifundiários e o governo para os acordos de manejo da biodiversidade. “É uma garantia muito mais forte de que sua terra, e essas fazendas, sejam manejadas de um modo compatível com os pássaros e sua reprodução. O principal é ter esta relação e comunicação permanentemente aberta entre as agrupações dedicadas à conservação e o proprietário da terra”, enfatizou.

Outro proprietário da região assinou um acordo de administração semelhante para 635 hectares de terra, enquanto o WWF negocia com outros seis para proteger partes de suas propriedades, que totalizam 7.569 hectares, acrescentou Viljoen. “Para alguém que não entende realmente o detalhe deste processo, pode soar quase como que não há muitas”, afirmou. “Porém, o que eu mesma aprendi facilitando este processo é que a administração é longa e lenta, mas uma vez implantada é para sempre”, ressaltou.

Duas áreas de mangues no estabelecimento Ivanhoé que há décadas foram drenadas e transformadas em pastagens para o gado também serão reabilitadas por intermédio do programa governamental Trabalhando para os Pântanos. Embora possa demorar dez anos para os pântanos voltarem a um estado capaz de manter os grous-coroados, Campbell espera que as aves os habitem no futuro. “Podemos ver o que fizemos de errado no passado. E esta é a oportunidade para corrigir”, ressaltou. Envolverde/IPS