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Feijão transgênico gera polêmica alimentar

Rio de Janeiro, Brasil, 3/10/2011 – O desenvolvimento no Brasil de um feijão geneticamente modificado, resistente a uma das pragas mais temidas, gera esperança no setor agrícola e, também, críticas dos que consideram que o projeto foi aprovado sem o suficiente debate para garantir que não afete a saúde humana nem o meio ambiente. O chamado Feijão 5.1 foi desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) para enfrentar o mosaico dourado, uma doença que deixa as folhas da planta do feijão amarelada, deforma as vagens e os grãos, além de abortar o nascimento de suas flores, causando perda de 40% a 100% dos grãos.

Segundo a Embrapa, o vírus transmitido pela mosca branca (Bemisia tabaci) produz perdas anuais entre 90 mil e 280 mil toneladas de grãos, quantidade suficiente para alimentar entre seis milhões e 20 milhões de brasileiros adultos. Este alimento transgênico, que estaria na mesa dos brasileiros dentro de três anos, promete beneficiar por igual todos os tipos de agricultura, e aumentar a segurança da colheita, explicou à IPS Francisco Aragão, um dos responsáveis por seu desenvolvimento.

Enquanto os agricultores com recursos aplicam inseticida até uma vez por semana para controlar a mosca branca, aos produtores de pequena escala “resta apenas rezar” para não terem perdas significativas, disse Aragão. Ele destacou que, com o desenvolvimento desta semente transgênica, não será preciso aplicar inseticidas nesse tipo de cultivo. Isto, por sua vez, reduziria os custos de produção e, consequentemente, o preço para o consumidor de um alimento básico na dieta diária dos 192 milhões de brasileiros, acrescentou. Segundo Aragão, o mosaico dourado exige que se use cada vez mais agrotóxicos, pois está criando resistências.

A comercialização do Feijão 5.1, o primeiro organismo geneticamente modificado produzido por uma entidade nacional, foi liberada em meados de setembro pela Comissão Técnica Nacional de Segurança (CTNBio), por 15 votos, duas abstenções e cinco contra que pediram mais análises. A Embrapa argumenta, para justificar a venda do produto, que as avaliações de biossegurança realizadas entre 2004 e 2010 seguiram as recomendações da CTNBio.

“A caracterização agronômica do Feijão 5.1 não mostrou nenhuma alteração fenotípica comparada com a do feijão parental, não geneticamente modificado”, segundo os técnicos da empresa. “Consideramos que é totalmente seguro para consumo humano e para semear”, disse Aragão, que também qualifica de “totalmente absurdas” as críticas dos que consideram o feijão transgênico menos nutritivo. É tão nutritivo como qualquer outro feijão no Brasil”, afirmou. A diferença, inclusive nas variedades tradicionais, se dá por região, explicou.

Ele adiantou à IPS que a Embrapa mantém conversações com a Universidade de Honduras para realizar provas in situ nesse país centro-americano, em plantações controladas, inoculando o vírus local. Aragão está certo de que a tecnologia desenvolvida para o feijão transgênico no Brasil “funcionaria” também na Argentina e na Bolívia, mas não sabem o que aconteceria no México e na América Central.

O problema é que dentro das fronteiras brasileiras não há consenso sobre a aprovação do Feijão 5.1Respondendo a perguntas da IPS, Renato Maluf, presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), questiona sua rápida liberação com relação ao “princípio da precaução”. Destacou que apenas dois dos 22 testes feitos não falharam, e que não foram contemplados todos os biomas brasileiros.

“Acreditamos que é uma temeridade a pressa para liberar um produto que será consumido por toda a população e sobre o qual não temos certeza quanto à segurança alimentar e nutricional”, lamentou Maluf. “Entendemos que a Embrapa, como empresa pública de grande prestígio, deveria adotar um comportamento exemplar a propósito desse princípio”, acrescentou.

Por sua vez, Ana Carolina Brolo, assessora jurídica da organização humanitária Terra de Direitos, concorda com Maluf ao afirmar que “foi uma aprovação comercial que teve como característica a falta de respeito à legislação nacional e internacional sobre biossegurança”. Ela entende que houve muito segredo sobre informações que deveriam estar disponíveis para que a comunidade científica e a sociedade avaliem os riscos que o projeto apresenta.

Porém, as críticas vão além dos campos científico e tecnológico. A pergunta é se em um país como o Brasil, que é o maior produtor mundial de feijões, com 3,5 milhões de toneladas anuais, é necessário um feijão transgênico. Para Maluf, a produção atual de feijão é suficiente para atender o consumo interno, e também considerou “inconsistente” o argumento da redução da produção por pessoa como desculpa para criar um grão transgênico.

O presidente do Consea afirmou que é uma “falsidade” a afirmação de que é preciso aumentar a produção de feijão, como de outros alimentos, “para aplacar a fome”. E recordou que “a história já demonstrou que isso não é verdade. O Brasil é um dos maiores produtores e exportadores de alimentos do mundo e, no entanto, conviveu até há pouco tempo com indicadores injustificáveis de fome”, recordou.

Do ponto de vista da segurança alimentar, Maluf disse que há vários riscos, “começando pelos conhecidos impactos ambientais, que comprometerão a prática comum entre agricultores familiares em relação ao uso e troca de sementes, e também pela relação de dominação que cria para com os fornecedores de semente”. Ainda não se definiu se a Embrapa cobrará royalty pela semente. O cultivo de feijão é característico da agricultura familiar, que no Brasil produz 70% dos alimentos consumidos no país.

O advogado Leonardo Ribas, pesquisador do Centro de Referência de Direitos Humanos e Alimentação, do Centro Universitário Uniabeu, pergunta “quem pagará a conta do feijão transgênico”. Ribas, que é conselheiro de segurança alimentar do Estado do Rio de Janeiro, disse que “falamos da aprovação da modificação genética de um organismo vivo, cuja patente será colocada à disposição de empresas que, pagando royalty, poderão vender este produto ao potencial mercado de consumo brasileiro”.

Considerando que o Feijão 5.1 se converta em “uma mercadoria de alta produção e consumo pelas ‘vantagens’ associadas, finalmente os que pagarão por este produto serão os próprios agricultores familiares e, por conseguinte, a maioria da população brasileira”, acrescentou Ribas. Para ele, “a solução para a insegurança alimentar no Brasil não passa pela vontade de Deus, como se chegou a justificar no passado, nem por soluções fragmentadas das ciências”, mas por decisão política.

“O Brasil não precisa de feijão transgênico, mas de políticas públicas que garantam a segurança alimentar e nutricional da população por meio de medidas que respeitem a qualidade biológica, sanitária, nutricional e tecnológica dos produtos. É preciso respeitar e incentivar medidas socialmente justas e ecologicamente sustentáveis”, afirmou o advogado. Envolverde/IPS