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Estados Unidos reduz vigilância e castigos nas escolas

Estudantes do ensino secundário dos Estados Unidos durante uma marcha por seus direitos. Foto: The Leadership Conference
Estudantes do ensino secundário dos Estados Unidos durante uma marcha por seus direitos. Foto: The Leadership Conference

 

Washington, Estados Unidos, 13/1/2014 – O governo dos Estados Unidos estabeleceu, finalmente, novas pautas para reduzir o excesso de medidas disciplinares punitivas no sistema educacional, que levam muitos estudantes à expulsão ou à prisão por faltas de pouca importância.

Os que criticam os rigorosos enfoques disciplinares alertam há anos que estes têm impacto direto sobre o futuro dos estudantes, e vários estudos sugerem um histórico de conduta cada vez pior no caso de quem em um princípio foi punido por problemas relativamente menores.

Estas práticas também repercutem mais nos estudantes procedentes de minorias étnicas ou com incapacidades, por isso são acusadas de uma parcialidade sistêmica, segundo os estudos. “Uma infração disciplinar rotineira cometida na escola deve levar o aluno à diretoria, não à delegacia”, disse o promotor-geral Eric Holder, ao anunciar as novas diretrizes no dia 8, junto com o secretário de Educação, Arne Duncan.

É a primeira vez que o governo dá uma orientação deste tipo, em um esforço conjunto dos departamentos de Justiça e de Educação com ativistas pela sociedade civil. Organizações que lutam pelos direitos civis e contra a pobreza, bem como entidades educacionais, elogiaram a nova postura, que anima as escolas a buscarem soluções locais para a disciplina, fixa limites claros para a aplicação da lei e propõe um papel mais preponderante de conselheiros e trabalhadores da saúde mental.

Também marca um ponto de inflexão na cultura de segurança máxima que se instalou nos centros de ensino após um atentado em uma escola superior de Colombine, no Corolado, em que morreram 15 pessoas, em 1999. “Depois desse trágico incidente houve um deslocamento para o enfoque de tolerância zero e maior presença da polícia nas escolas. Mas essa combinação era uma receita para o desastre”, afirmou Thena Robinson Mock, diretora de projetos da campanha Acabemos com o Túnel da Escola para a Prisão, da organização ativista Advancement Project, em entrevista à IPS.

“De repente, os atos disciplinares de rotina começaram a dar lugar à intervenção policial. Até o momento vimos uma enorme quantidade de jovens, sobretudo afrodescendentes, prejudicados tanto pela interação com as forças da lei quanto pela expulsão da sala de aula. Sabemos que se uma criança não está na escola seguramente caminha para a prisão”, afirmou Mock.

Segundo a ativista foi “um momento decisivo” o governo federal reconhecer que as políticas de tolerância zero contribuíram com o que ela e funcionários federais denominam de “um túnel direto da escola para a prisão”.

Dados oficiais mais recentes sobre desigualdades nas escolas dos Estados Unidos mostram que os afrodescendentes são cerca de 15% da população estudantil, mas representam 35% dos alunos suspensos uma vez e 44% dos que pegaram duas suspensões. As pessoas com deficiência também são suspensas em dobro com relação a outros estudantes. Ao lançar as diretrizes, as autoridades federais reconheceram essa situação.

“A discriminação racial na disciplina escolar é um problema real hoje em dia, e não apenas um problema de 40 ou 50 anos atrás”, destacou o secretário Duncan. “A necessidade de repensar e redesenhar as práticas de disciplina escolar estava pendente há muito tempo. Muitas escolas recorrem com muita rapidez à disciplina de exclusão, ainda que por faltas menores. A disciplina de exclusão é tão comum que em alguns casos alunos são suspensos por três ou quatro anos”, acrescentou.

Nos Estados Unidos, os estudantes secundários suspensos ou expulsos aumentaram em 40% nos últimos anos. Atualmente, somam dois milhões anuais. Duncan afirmou que cerca de 95% dessas suspensões se devem a faltas não violentas, como atraso, violação do código de vestimenta ou porque o aluno é considerado problemático.

No princípio, o enfoque da tolerância zero pretendia assegurar um ambiente de aprendizagem seguro, mas a generalização das medidas disciplinares derivou em consequências indesejadas. “Os estudantes suspensos são menos propensos a se formar no tempo certo e têm maior probabilidade de repetir o ano, abandonar a escola ou se envolver no sistema de justiça de menores”, afirmou Duncan. “Devemos rechaçar a cada dia o túnel que leva da escola à prisão. No Texas, as suspensões ou expulsões únicas por uma falta que não incluía uma arma quase triplicaram a probabilidade de os alunos se envolverem no sistema judicial para menores no ano escolar seguinte”.

A reforma recebe uma chuva de elogios, mas alguns grupos educacionais criticam as autoridades porque não liberam os fundos necessários para aplicar na prática muitas das ideias incluídas nas diretrizes federais. Os orçamentos de ensino sofreram vários cortes nos últimos anos, e a contratação de mais conselheiros e trabalhadores de saúde mental teria um alto custo, bem como manter o atual pessoal.

Como parte da nova iniciativa federal, o governo outorgará fundos para que mais de mil escolas possam capacitar seu pessoal para implantar estratégicas que modifiquem o ambiente das aulas. Fora isto, haverá pouco dinheiro novo para aplicar as iniciativas. “O governo federal fez muitas sugestões positivas, mas as políticas no vazio, sem recursos nem apoio reais, não terão êxito”, alertou Randi Weingarten em um comunicado da presidente da Federação Norte-Americana de Professores.

Mock, da Advancement Project, pontuou que muitas das recomendações dos Departamentos de Justiça e de Educação não têm motivo para serem muito caras, sobretudo se o dinheiro foi redistribuído em virtude das novas prioridades. “Se gastamos o dinheiro em medidas de segurança que não são eficazes, como os detectores de metais, então temos a oportunidade para examinar o orçamento e ver para onde podemos reorientar os fundos”, afirmou.

Entretanto, outras vozes exortam o governo a tomar medidas adicionais para garantir que as novas diretrizes sejam aplicadas plenamente. “Essa diretriz por si só não eliminará em nosso país a crise da deserção, nem as brechas nos êxitos por raça e classe social, nem o túnel da escola à prisão”, disse Wade Henderson, presidente da Leadership Conference on Civil and Human Rights, uma aliança de 200 organizações dos Estados Unidos.

“A verdadeira prova do compromisso do governo para solucionar estes problemas enquistados será sua disposição de tomar medidas enérgicas e imediatas para aplicar nos distritos escolares com os piores antecedentes”, acrescentou Henderson. Envolverde/IPS