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Estados Unidos lançam estratégia militar para o Ártico

Equipe de cinco soldados do primeiro pelotão da 176ª Companhia de Comunicações puxa um trenó Akio carregado, ao longo de 1,2 quilômetros da competição Arctic Forge II, em 21 de março deste ano, em Fort Wainwright, no Alasca. Foto: Exército dos Estados Unidos
Equipe de cinco soldados do primeiro pelotão da 176ª Companhia de Comunicações puxa um trenó Akio carregado, ao longo de 1,2 quilômetros da competição Arctic Forge II, em 21 de março deste ano, em Fort Wainwright, no Alasca. Foto: Exército dos Estados Unidos

 

Washington, Estados Unidos, 27/11/2013 – Os Estados Unidos lançaram uma estratégia global para sua atividade militar no Ártico, destinada oficialmente a equilibrar “a segurança humana e a do meio ambiente” na região, mas na qual ativistas veem uma ofensiva para criar melhores condições de negócios para a exploração de suas ricas jazidas de hidrocarbonos.

“Essa nova estratégia tem uma enorme importância porque reconhece a crescente influência da região do Ártico para os Estados Unidos, e como uma área de possíveis operações militares”, explicou à IPS o pesquisador Seth Myers, do Instituto Ártico, centro de estudos com sede em Washington. “Contudo, a questão mais importante que apresenta é como serão pagas as novas capacidades” em uma época de intensos cortes orçamentários em Washington, acrescentou.

A estratégia apresenta o Ártico como se estivesse em um “ponto de inflexão” pela redução da camada dos gelos e pelo aumento da atividade humana. Em 2012, os cientistas registraram os menores níveis de gelo ártico na história, enquanto cerca de 500 embarcações navegaram as águas do Oceano Ártico entre o Alasca e a Rússia, um número 50% maior do que os que transitavam pela região em meados da década passada.

O secretário da Defesa, Chuck Hagel, disse que os especialistas preveem que esse número de navios aumentará dez vezes na chamada Rota do Mar do Norte. “Agora que as rotas marítimas do Ártico começam a registrar mais atividades, como o turismo e a navegação comercial, o risco de acidentes aumenta”, advertiu Hagel no dia 22, no V Fórum de Segurança Internacional, realizado na cidade canadense de Halifax e no qual lançou a nova estratégia.

Hagel reconheceu que a “migração das populações de peixes levará os pescadores a novas áreas, desafiando os planos de gestão vigentes”. E alertou que, “apesar de maior potencial para explorar o que pode chegar a representar 25% ainda sem descobrir do petróleo e gás do planeta, uma avalanche de interesses na exploração de energia tem o potencial de aumentar as tensões com relação a outros temas”. Atualmente, os cientistas sugerem que as águas do Ártico poderiam ficar quase totalmente livres de gelo durante um mês por ano, a partir de meados da próxima década, e estender por mais tempo esses períodos de degelo total a partir de 2030.

Alguns temem que essas novas condições provoquem um “vale tudo” mundial. Hagel considerou “desafios sem precedentes. Ao longo da história a humanidade competiu para descobrir a próxima fronteira. Uma e outra vez o descobrimento foi rapidamente seguido pelo conflito”, acrescentou. Segundo o secretário, “devemos lidar com prudência com essas possibilidades do século 21. Com o objetivo de aproveitar todo o potencial do Ártico, as nações devem colaborar e fomentar a confiança mediante a transparência, cooperação e o compromisso”.

A nova estratégia foi divulgada no momento em que os Estados Unidos se preparam para assumir, em 2015, a presidência rotativa do Conselho do Ártico, um fórum importante intergovernamental para a governança regional. Isso dará a Washington uma liderança renovada em temas do Ártico. Na verdade, muitos veem na nova estratégia militar um passo importante para consolidar a nascente política dos Estados Unidos sobre a questão em geral, embora no momento essa visão se mantenha relativamente vaga, talvez estrategicamente.

O Pentágono (Ministério da Defesa dos Estados Unidos) diz que tentará ampliar sua compreensão do ambiente do Ártico e sua presença na região, enquanto promove a colaboração em uma série de temas. Atualmente, os Estados Unidos mantêm 27 mil militares no Alasca. Hagel afirmou que a Marinha apresentará um novo plano para suas operações no final do ano. Apesar desse número, em alguns aspectos Washington começa de uma posição relativamente débil. Outros países do Ártico já se movimentaram com maior decisão para ocupar seu lugar na região.

Enquanto isso, devido aos cortes no orçamento federal, as forças armadas norte-americanas lidam com sua primeira redução importante de fundos em décadas. Está previsto que os cortes anuais continuem ao longo da próxima década. “Não é nada certo que os Estados Unidos sejam líderes nessa questão do Ártico. De acordo com os indicadores quantificáveis, a Rússia possui, de longe, a maior quantidade de interesses e capacidades”, disse o pesquisador Myers.

Por exemplo, Washington “só tem dois quebra-gelos na região, propriedade da Guarda Costeira, e atualmente o grau em que os Estados Unidos serão uma presença ativa no curto e médio prazos continua sendo incerto, em grande parte pelos cortes orçamentários”, afirmou Myers. “Por isso, sua estratégia enfatiza as associações” com terceiros, acrescentou.

A outros preocupa a forma que poderiam tomar essas associações e a mescla final de seus objetivos. A nova estratégia se baseia em um documento de visão mais imediata, apresentado no começo do ano pela Casa Branca, que foi criticado por centrar-se demais no potencial de extração de combustíveis fósseis. Críticas semelhantes recebeu a orientação política do próprio Conselho do Ártico, formado pelos oito países da área.

“Nos agrada que a estratégia do Departamento de Defesa reconheça a diminuição das camadas de gelo no Ártico”, disse o ativista Gustavo Ampugnani, líder da equipe ártica do Greenpeace, organização muito crítica com a especulação de petróleo na região. Mas, “o enfoque não deve ser visto como uma oportunidade para as empresas, nem para criar melhores condições de negócios para a exploração de seus recursos”, acrescentou. “O derretimento do gelo marinho no Ártico é símbolo da destruição do planeta, não um incentivo para ir ali e tomar tudo o que até há pouco não era possível pegar”, ressaltou.

Segundo cálculos dos Estados Unidos, o fundo do Oceano Ártico abriga uma proporção importante das reservas não exploraradas de hidrocarbonos do planeta, incluídos cerca de 15% do petróleo e até 30% do gás. A estatal russa Gazprom já começou a perfurar em busca de petróleo, em um lugar onde 30 ativistas do Greenpeace foram detidos em setembro e vários continuam presos. Enquanto isso, a anglo-holandesa Shell tentou fazê-lo várias vezes em águas norte-americanas.

“Se os países derem concessões para permitir mais espaço às companhias petroleiras, se acelerará não só a industrialização do Ártico, como também os investimentos em presença militar, impulsionadoras de uma corrida militar no chamado Norte Distante”, segundo Ampugnani. “Do nosso ponto de vista, a melhor maneira de manter a região em paz, estável e livre de conflitos é dar prioridade ao trabalho científico, em um espírito de cooperação, para entender mais como o ecossistema do Ártico é importante para a regulação do clima mundial”, concluiu o ativista.

Washington não deu importância a possíveis tensões na região, em razão dos recursos naturais no futuro imediato, com o argumento de que a maioria das reservas de petróleo e gás está relativamente perto da costa e, portanto, em águas territoriais claramente definidas. Envolverde/IPS