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Estados Unidos ajudam combatentes curdos na Síria e na Turquia

Escola convertida em acampamento para refugiados em Erbil, capital do Curdistão iraquiano, em setembro. Foto: Annabell Van den Berghe/IPS
Escola convertida em acampamento para refugiados em Erbil, capital do Curdistão iraquiano, em setembro. Foto: Annabell Van den Berghe/IPS

Washington, Estados Unidos, 22/10/2014 – Os Estados Unidos lançaram por ar armas e provisões para os combatentes curdos na cidade síria de Kobani, na fronteira com o Iraque, indicando a intensificação dos esforços de Washington para “degradar e destruir” o grupo extremista Estado Islâmico (EI). O lançamento, no dia 19, de 27 fardos com armas leves, incluídas as antitanques, munições e outros suprimentos, também ajudou a desencadear uma mudança importante na política turca, segundo especialistas em Washington.

Até então, a Turquia se negava firmemente a ajudar os defensores curdos de Kobani, comandados por membros do Partido da União Democrática (PYD), considerado por Ancara uma organização terrorista vinculada ao Partido dos Trabalhadores Curdos (PKK). O ministro das Relações Exteriores turco, Mevlut Cavusoglu, confirmou, no dia 20, que as forças pesmergas curdas do Iraque terão permissão para cruzar a fronteira com a Turquia e reforçar os combatentes de Kobani que enfrentam o Estado Islâmico.

O EI teria perdido grande parte de seu controle sobre a cidade após os fortes combates e os bombardeios aéreos dos Estados Unidos nos últimos dias. “Creio que os trucos estão fazendo redução de danos”, disse à IPS Henri Barkey, especialista em Turquia da Universidade de Lehigh, dos Estados Unidos. “Todo mundo queria salvar Kobani, e fundamentalmente eram os turcos que tornavam isso impossível. Agora estão fazendo isso para poderem dizer que ‘também estamos fazendo algo’”, apontou.

Apesar dos recentes e preocupantes avanços do EI no vizinho Iraque, sobretudo na província de Al Anbar, a batalha por Kobani atraiu a cobertura da imprensa da campanha aérea dos Estados Unidos contra o grupo extremista, em grande parte porque a imprensa pode seguir de perto os combates a partir da segurança das colinas do lado turco da fronteira. Embora altos funcionários do governo e militares dos Estados Unidos tenham declarado em repetidas ocasiões que o destino de Kobani não é fundamental em sua estratégia contra o EI, a cobertura jornalística converteu a cidade em um potente símbolo político das perspectivas de êxito de Washington.

Praticamente, o governo de Barack Obama havia ignorado a batalha até este mês. Mas, na medida em que os meios de comunicação se concentravam no avanço das forças do Estado Islâmico nos arredores da cidade vindo de três direções diferentes, Washington começou seus ataques aéreos, que foram reforçados nas duas últimas semanas, embora Ancara, seu aliado na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), tenha destacado sua oposição a qualquer intervenção externa em nome do PYD.

“O governo da Turquia não vê o EI como seu pior problema”, afirmou Eric Edelman, ex-embaixador dos Estados Unidos nesse país, em um fórum realizado no Centro de Política Bipartidária, em Washington. Segundo declarações recentes de funcionários turcos de alto nível, Ancara considera pior o PKK, que atualmente mantém negociações de paz com o governo do presidente Recep Tayyip Erdogan, acrescentou. O PYD é considerado o braço sírio do PKK. “Olham Kobani através da lente das negociações com o PKK e querem colocar o PKK em seu lugar”, destacou.

Mas essa estratégia pode ter sido contraproducente, enquanto o PYD e o Governo Regional Curdo no Iraque reclamavam ajuda urgente para Kobani, ou que fosse permitida a entrada de combatentes curdos como reforços para a defesa da cidade. Os curdos, que somam aproximadamente 20% da população da Turquia, realizaram manifestações contra o governo em todo o país. Mais de 30 pessoas morreram devido à violência de rua antes da aplicação de toques de recolher no começo deste mês. Por outro lado, o PKK ameaçou suspender as negociações de paz, que foram um dos êxitos claros de Erdogan.

Além da pressão interna, Washington e alguns de seus aliados na Otan também pressionaram Ancara para que modificasse sua política. Mas Erdogan insistiu que só ajudaria Kobani e permitiria aos Estados Unidos o uso de sua enorme base aérea de Incirlik para lançar ataques aéreos se Washington cumprisse certas condições quanto à sua política geral para a Síria.

Em particular, exigiu que Washington e seus aliados estabelecessem zonas de exclusão aérea na fronteira com a Turquia, que pudessem ser usadas como refúgio pelos insurgentes que combatem o governo de Bashar al Assad na Síria. Também reclamou que os Estados Unidos atacassem a infraestrutura militar de Assad, e não apenas o EI. Embora o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, dissesse que seu governo estava disposto a considerar tais medidas, a Casa Branca se manteve firmemente contrária.

Devido à importância simbólica de Kobani, o próprio Obama telefonou para Erdogan no dia 18 para informá-lo que decidira autorizar o reabastecimento da defesa da cidade e pedir que abrisse a fronteira aos reforços curdos. A primeira operação de reabastecimento foi feita por três aviões cargueiros C-130 na noite do dia 19, o que implica um nível novo na intervenção de Washington na Síria.

Embora poucos legisladores do governante Partido Democrata nos Estados Unidos expressassem sua preocupação, membros do opositor Partido Republicano elogiaram a operação, já que no passado cobraram medidas mais fortes, como zonas de exclusão aérea e ataques a objetivos militares sírios. “Apoiamos a decisão da administração para reabastecer as forças curdas em Kobani com armas, munições e outros suprimentos”, declararam os senadores republicanos John McCain e Lindsey Graham, em um comunicado conjunto.

Ao mesmo tempo, se queixaram de que “esse ajuste tático não deve ser confundido com uma estratégia eficaz, o que ainda falta”. Exortaram o governo de Obama a enviar forças especiais e assessores militares à Síria para ajudar a oposição “moderada” contra o Estado Islâmico e o governo de Assad. Não está claro se Obama limitou-se a informar Erdogan que a operação de abastecimento aconteceria com ou sem sua aprovação, ou se o presidente turco exigiu algumas condições adicionais.

“Creio que não receberam nada em troca. Acredito que os turcos estão fazendo redução de danos. Diria que estão aturdidos pela decisão dos Estados Unidos”, pontuou Barkey à IPS. Ao mesmo tempo, é provável que Erdogan negocie duramente o pedido dos Estados Unidos para usar a base aérea de Incirlik – localizada perto da fronteira com a Síria e muito mais próxima do território sírio e iraquiano do que os porta-aviões e as bases norte-americanas no Golfo Arábico – para operações ofensivas contra o Estado Islâmico nos dois países. Envolverde/IPS