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Especialistas em defesa da Unctad

Publicidade da XIII período de sessões da Unctad, que acontecerá em Doha. Foto: Unctad

Genebra, Suíça, 13/4/2012 – A razão do ataque contra a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) é que os países ricos não aceitam a existência de uma organização que seja independente em sua análise, afirmou à IPS o brasileiro Rubens Ricupero, que foi seu secretário-geral entre 1995 e 2004.

A Unctad sofre nas últimas semanas uma ofensiva por parte de potências do Norte industrial que pretendem modificar seu mandato, voltado, desde seu nascimento em 1964, para a defesa dos interesses das nações pobres. Segundo funcionários do Sul, as nações do Norte industrializado acreditam que os conselhos da agência em matéria de finanças, meio ambiente, segurança alimentar, direitos de propriedade intelectual e desenvolvimento contradizem sua agenda liberal e de mercado.

Meia centena de ex-altos dirigentes da Unctad, incluído Ricupero, assinaram uma declaração divulgada no dia 11, em Genebra, em um encontro com cinco jornalistas, o da IPS entre eles, no qual denunciam a tentativa de reduzir ao silêncio este organismo da Organização das Nações Unidas (ONU). Um dos signatários do texto, o pesquisador turco Yilmaz Akyuz, atribuiu a intenção de amordaçar a Unctad “aos principais países” da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), também conhecida como “o clube dos ricos”.

O ataque acontece quando “se necessita desesperadamente” de um debate de ampla participação sobre a governança das finanças internacionais e, em geral, de toda a economia mundial, disse Akyuz, atual assessor econômico do não governamental Centro Sul e chefe e ex-economista chefe da Unctad.

A declaração coletiva recorda que as análises da Unctad sobre aspectos da macroeconomia global, com uma perspectiva do desenvolvimento, durante anos deram uma visão alternativa aos pontos de vistas apresentados pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial, “controlados pelo Ocidente”. Nessas investigações, a Unctad foi notando a influência crescente das finanças sobre a economia real, previu a crise do México (1994-1995), previu a crise da Ásia oriental de 1997 e antecipou a bancarrota financeira e econômica da Argentina em 2001, recorda o documento.

Nenhuma organização previu a crise global atual e nenhuma possui a varinha mágica para resolvê-la, admite o texto. Mas, é inquestionável que a presente crise teve origem e se expandiu com maior amplitude entre os países que agora suprimem o debate sobre políticas econômicas globais, apesar de seu manifesto fracasso nessa matéria, prossegue a declaração.

John Burley, alto diretor da Unctad durante 17 anos, disse que ofensiva dos países ricos aponta para princípios profundos, com a pluralidade de pontos de vista no sistema internacional e a liberdade de palavra na organização. Este ataque, que se dirimirá no XIII período de sessões da instituição, entre 21 e 26 deste mês em Doha, no Catar, não é o primeiro, recordou Burley.

A experiência de Ricupero é reveladora. “Quando cheguei à Unctad, em 1995, já estava em marcha uma conspiração dos suspeitos de sempre, os países ricos, não para mudar o mandato como agora, mas simplesmente para suprimir a organização que jamais aceitaram desde sua criação”, contou Ricupero à IPS em uma entrevista no dia 10. O pretexto na época era a criação, meses antes, da Organização Mundial do Comércio, que supostamente tornava a Unctad supérflua.

“O indício claro do que afirmo é o fato de a secretaria geral ter ficado vaga por quase um ano, coisa que nunca antes havia ocorrido e nem voltou a ocorrer”, acrescentou o brasileiro. Essa ofensiva foi superada mediante uma vigorosa reação “que travamos com o apoio de muitos países em desenvolvimento”, ressaltou Ricupero.

Em particular, este político e diplomata mencionou o apoio da África do Sul que, sob a presidência de Nelson Mandela (1994-1999) estava no apogeu de seu prestígio internacional. A realização, em 1996, da IX sessão da Unctad na cidade sul-africana de Midrand, liquidou a conspiração por um tempo, segundo Ricupero. Os ataques voltaram mais tarde sob outras formas, quase sempre com tentativas de diminuir o mandato da instituição, recordou.

“Não é segredo para ninguém que ao longo das últimas décadas a Unctad se viu privada da possibilidade de trabalhar em áreas que foram sua razão de ser no início, como é o caso dos produtos básicos”, destacou Ricupero. E lembrou que os pretextos para as ofensivas dos países ricos variaram com o tempo. Costuma estar disfarçadas sob o falso argumento da falta de eficácia da secretaria ou da duplicação de esforços com outras agências.

Porém, Ricupero acredita que a verdadeira razão seja muito diferente. “Os ricos não gostam da existência de uma organização que foge ao seu controle, que seja independente em suas análises, que dê conselhos aos africanos, por exemplo, contra as tentativas neocolonialistas da França e dos europeus em geral”, afirmou.

“Quanto mais a realidade demonstra que a Unctad tinha razão em suas previsões, em relação aos riscos da globalização financeira, por exemplo, mais tentaram silenciá-la os que são cúmplices dos responsáveis pelo lamentável estado de anarquia do sistema monetário e financeiro internacional”, denunciou Ricupero. Contra esse perigo, que continuará presente, só existe uma arma, “a unidade e a vigorosa reação dos países em desenvolvimento”, enfatizou.

Infelizmente, todas as vezes que os ricos conseguiram reduzir o poder da Unctad a culpa principal foi “a realtiva falta de interesse ou de preparação, a ineficácia, a falta de presença ou de valor” dos que deveriam ser os primeiros interessados em defender “a organização que existe para servir aos pobres sem defesa no mundo”, concluiu Ricupero. Envolverde/IPS