Arquivo

Uma rede educativa que apaga as fronteiras

Estudantes de uma escola da ilha espanhola de Tenerife dialogam com outros de uma escola dos acampamentos saarauís de Tinduf, no noroeste da Argélia. Foto: Rede Canária de Escolas Solidárias.
Estudantes de uma escola da ilha espanhola de Tenerife dialogam com outros de uma escola dos acampamentos saarauís de Tinduf, no noroeste da Argélia. Foto: Rede Canária de Escolas Solidárias.

 

Málaga, Espanha, 16/1/2014 – Centenas de estudantes das espanholas Ilhas Canárias, Senegal e os campos de refugiados saarauís de Tinduf, no noroeste da Argélia, se conhecem e aprendem juntos graças à Rede Educativa Sem Fronteiras (Resf), na qual professores, pais e alunos estendem pontes entre as aulas dos dois lados.

“Olá, meu nome é Ángel, tenho 13 anos e estudo no CEO (Centro de Educação Obrigatória) Mogán, no sul da ilha Grande Canária. Gostaria de conhecer estudantes do Senegal”, apresenta-se um aluno em um vídeo gravado por Ivanhoe Hernandéz, professor de literatura desse instituto. O centro prepara intercâmbios com os estudantes de espanhol de Mbake Gueye, professor na região senegalesa de Louga.

A Resf, integrada por professores voluntários, pais e estudantes de Senegal, Saara Oriental, Haiti, Gabão e Ilhas Canárias, nasceu em 2004, impulsionada pela associação Ponte Humana e pretende derrubar dia a dia “a parede da ignorância que existe entre os dois povos”, disse à IPS por videoconferência Amadou Ba, professor de espanhol em Louga.

“Somos professores de um lado e de outro e propomos uma mudança cultural e educacional que permita formar cidadãos globais”, disse à IPS o professor de latim e grego Rafael Blanco, integrante da Ponte Humana e coordenador nas Canárias da Resf, temporariamente no Senegal.

Ba, de 33 anos e docente desde 2004, disse que as comunicações entre os estudantes da África e da Espanha são sobre temas concretos, como imigração, vida familiar, ambiente. São intercâmbios entre alunos coetâneos que se mostram muito eficazes, garantiu. “Tendo a mesma idade e sendo estudantes espanhóis a lhes comunicarem, por exemplo, a necessidade de cuidar do ambiente, faz com que se aproximem mais e os sensibilizem mais”, afirmou este professor da escola Artillerie Nord de Louga que coordena a Resf no Senegal.

Junto com os professores, alunos de 12 a 16 anos elaboram durante o curso, de forma continuada, pequenas reportagens, gravam vídeos, fazem e respondem perguntas, tiram fotos e desenhos que viajam de uma ponta a outra pelo correio eletrônico ou postal. Os intercâmbios diretos se estabelecem mediante videoconferências e, se não, contam com a internet para audioconferências, com telefones celulares conectados a caixas de som.

Blanco alertou para as dificuldades materiais e técnicas no Senegal, onde nem todos os massificados institutos possuem internet e a eletricidade é frequentemente interrompida. Por isso, muitas vezes as comunicações são feitas com envio de materiais físicos e digitais. A Ponte Humana assume o custo de configuração da internet em Louga.

Atualmente, cerca de 650 alunos de 13 centros educacionais do Senegal interagem com estudantes e professores das Ilhas Canárias, situadas nas costas da África. Nesse arquipélago e em três escolas dos acampamentos de refugiados de Tinduf há outros 720 alunos envolvidos, calculou Blanco. Uma escola em Ansé a Pitres, no sudeste do Haiti, participou dos intercâmbios em 2012, mas não continuou em 2013 por dificuldades técnicas.

“Nosso objetivo é multiplicar a cooperação real mediante a comunicação”, pode-se ler na página da Ponte Humana na internet. Blanco acredita que “não se pode cooperar com algo que não se conhece”, e parafraseou Madou Ndeye, professor e escritor senegalês falecido em março de 2013, que afirmou que “estaríamos mais avançados se o dinheiro destinado à cooperação fosse dedicado a nos conhecermos e nos comunicarmos”.

Ba contou que esse curso animará seus alunos a fotografar cenas e gravar pequenos vídeos para compartilhar com os estudantes canários a vida cotidiana das pessoas de Louga. “Temos valores, costumes, riquezas para mostrar”, destacou Ba, que acredita que os projetos de cooperação para o desenvolvimento das organizações não governamentais “não devem estar baseados apenas em dar, mas também em receber”. Também lamentou que as informações que chegam à Europa sobre a África “sejam apenas em nível comercial, porque para os empresários não interessa que nos comuniquemos”.

O pessoal docente da Resf integra diariamente os intercâmbios às matérias que ensinam, como uma professora de matemática da ilha de Tenerife, que propôs aos seus alunos analisar “os números da desigualdade”, estabelecendo comparações entre o preço da cesta básica em um e outro lado. “A sensibilização é o mais importante que conseguimos com nossos alunos”, pontuou Cristóbal Mendoza, professor no centro educativo Mario Lhermet da ilha canária de La Gomera, em uma entrevista pela plataforma radial Irradiada, gravada no Senegal durante uma visita de vários professores canários a Louga.

Desde o curso 2010-2011, a coordenação da Resf está integrada na Rede Canária de Escolas Solidárias, que realiza projetos de cooperação educativa com a África. O blog da Resf apresenta recursos educacionais e diferentes materiais, propostas e experiências dos professores nas diferentes áreas. Blanco e seus alunos do Instituto Cabrera Pinto, de Tenerife, investigaram os mitos de um lado e outro na aula de cultura clássica.

“Há redes que atam e redes que unem. Nunca se cansem de continuar tecendo essas redes que unem”, afirmou o escritor uruguaio Eduardo Galeano em uma mensagem de apoio aos seus integrantes, na qual aplaudiu seu trabalho de “coeducação” Sul e Norte. Galeano destacou que a iniciativa desenvolve valores, aplica as novas tecnologias à cooperação, enriquece as matérias e desenvolve o conhecimento do entorno e da cultura.

“Estão no Senegal, mas têm os mesmos medos, inquietações, emoções e metas que vocês”, afirmou aos seus alunos canários Ivanhoe Hernández, originário de Málaga e que considera que “educar em comum permite romper os preconceitos e o racismo”. “Estamos criando cultura do conhecimento diretamente, sem depender da televisão, nos valendo da força das ferramentas de comunicação e tecnologia, e no idioma que permite o intercâmbio”, ressaltou Blanco em uma videoconferencia a partir do Senegal, onde trabalha na coordenação da rede.

A rede propicia viagens de alunos e professores das Canárias ao Senegal e vice-versa, durante as quais conhecem as escolas, a cultura e se hospedam em casas de famílias locais. Enquanto a Espanha reduz os fundos destinados à cooperação para o desenvolvimento, a Resf cresce em número de alunos, e embora o projeto avance “sem pressa” e suponha “algumas gotas de água, é muito”, enfatizou Blanco. Envolverde/IPS