A “economia verde” na Rio+20

“Em economia não existe almoço grátis. Alguém sempre está pagando. É um equívoco cruel pretender convencer os países emergentes de que não existem elevados custos de transição, para sairmos da ‘economia marrom’ e atingirmos a condição de ‘economia verde'”.

Em junho, no Rio de Janeiro, ocorrerá a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20. Um dos eixos temáticos da Conferência – seguramente o mais importante – será a “economia verde”. Trata-se da primeira tentativa concreta de se discutir uma agenda econômica positiva para o planeta de modo a evitar a mudança climática e de pôr os olhos em cima do mais importante estrangulamento das ações das políticas públicas que rondam o assunto: a questão da diminuição dos elevados custos de adaptação e de transição, que economias emergentes como a nossa exigem, com o fim de evitar o “desemprego verde”.

Os dados sobre os “custos da mudança climática” – a agenda negativa – existem para qualquer tipo de imaginação; já os dados sobre os “custos de se evitar” a mudança climática – a agenda positiva – ainda carecem de bom juízo. Assim, é bem recebido o esforço do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) de lançar o Relatório Economia Verde (REV) com o objetivo de suprir exatamente esta inaceitável deficiência. Ora, será que o REV consegue dar conta da missão, e finalmente nos dizer quão turbulenta pode ser a nossa viagem?Aparentemente não. Digo “aparentemente” porque o alentado REV tem mais de 400 páginas (pode ser baixada a versão completa em inglês do sítio do Pnuma) e, embora bem organizado, às vezes confunde alhos com bugalhos.

Sugiro quatro reflexões:

a) o REV é extremamente otimista quanto à possibilidade de conciliar crescimento + sustentabilidade + inclusão social. Aliás, o Relatório – infelizmente – é mais apologético do que analítico. Boa parte desta deficiência decorre dos reducionismos metodológicos adotados pela equipe técnica que divide o mundo em países “desenvolvidos”, “em desenvolvimento” e “menos desenvolvidos”. Neste tipo de corte algumas barbaridades, tipo colocar na mesma frigideira a região amazônica e o Estado de São Paulo, aparecem por inferência uma vez que o Brasil está entre os países “em desenvolvimento”. Tudo é muito homogêneo. Parece que para o Pnuma a capital do Brasil continua sendo Buenos Aires;

b) o REV não apresenta nenhuma estimativa para os custos de inclusão social embora a expressão se apresente diversas vezes ao longo do Relatório. Aliás – aqui é necessário fazer justiça ao Pnuma –, o REV defende, desde o seu início, que a “green economy” será puxada pelo desenvolvimento. Mas não dá a receita do pudim;

c) o Relatório começa a ficar assustador quando se debruça sobre a agricultura e defende a retirada imediata de todos os subsídios fiscais concedidos a energia de combustível fóssil, do setor pesqueiro e diversos subsetores da agricultura. Um período de transição e adaptação, nem pensar;

d) o REV confunde fluxo e estoque no esforço de persuadir que a “economia verde” opera com mais eficiência do que a economia atual (“business as usual”– BAU, no jargão da ONU). Um erro primário em teoria econômica. Afirma que “a escala de financiamento requerido para a transição rumo à economia verde é substancial, mas em ordem e magnitude bem menor do que o investimento global” (sic), e prossegue “… neste sentido é importante notar que os 2% de investimento em relação ao Produto Interno Bruto (outra linearização!) global é uma fração da formação de capital bruta total, cerca de 22% do PIB mundial em 2009”(sic). É simplesmente inacreditável! A formação de capital bruta é saldo final de investimentos acumulados (estoque). É elementar que o investimento inicial (os 2%) seja uma fração do saldo que ele ajudará a formar ao longo do tempo. Trata-se de um truísmo. Não tem como ser diferente.

Em economia não existe almoço grátis. Alguém sempre está pagando. É um equívoco cruel pretender convencer os países emergentes de que não existem elevados custos de transição, para sairmos da “economia marrom” e atingirmos a condição de “economia verde”. Sem transferência de recursos financeiros e tecnologia para o lado de baixo do Equador, o “desemprego verde” virá. Infelizmente.

* Mário Ramos Ribeiro é doutor em economia pela Universidade de São Paulo, docente da Universidade Federal do Pará, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Pará (Fapespa). 

** Publicado originalmente no site EcoAgência.