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Birmânia abre as portas às transnacionais, mas com sombras

 Grandes empresas transnacionais começam a entrar na Birmânia, país com grandes carências em matéria de infraestrutura. Foto: F. A. Sheikh/IPS

Grandes empresas transnacionais começam a entrar na Birmânia, país com grandes carências em matéria de infraestrutura. Foto: F. A. Sheikh/IPS

 

Rangum, Birmânia, 21/1/2014 – A mesma ditadura militar que durante décadas deixou paralisar a economia da Birmânia agora abre de vez as portas ao investimento estrangeiro. Grandes empresas globais, como Coca-Cola, Unilever e Samsung, começam seu caminho no mercado deste país do sudeste asiático.

Os consórcios transnacionais parecem entusiasmados pelo potencial não explorado do país de 60 milhões de habitantes que, segundo a consultoria McKinsey & Company, esta na região de crescimento mais rápido do mundo. Porém, há altos e baixos no caminho dessa nova fronteira econômica, afirmam especialistas.

O governo da Birmânia propõe leis de investimentos, ambientais e trabalhistas por meio de “um parlamento escasso em recursos”, segundo Vicky Bowman, diretora do Myanmar Centre for Responsible Business, uma consultoria empresarial com sede em Rangum. “Muitas dessas leis não estão sendo processadas de maneira transparente”, afirmou, acrescentando que o governo está experimentando “problemas de dentição”.

Os investidores internacionais enfrentam outro fato preocupante. A maioria das empresas birmanesas “tem dois livros de balanço contábil” e “não tem certeza sobre quantos impostos devem pagar”, disse Bowman. “Os sócios estrangeiros chegam e querem ver as contas dos últimos cinco anos”, acrescentou. Por outro lado, o país sempre funcionou com “um forte clima de corrupção”, pelo qual o governo outorgou projetos e oportunidades de bens de raiz sem um processo de licitação transparente, destacou.

Em 2013, a organização independente Transparência Internacional qualificou a Birmânia com apenas 21 dos cem pontos que integram seu índice da corrupção no setor público. Quanto mais baixo o número maior o nível de irregularidade.

Até agora, a nova administração do presidente Thein Sein declarou sua intenção de incorporar o país à Iniciativa de Transparência das Indústrias de Extração, para demonstrar que o fornecimento de minerais e energia do país estão se desenvolvendo de maneira responsável. Mas, enquanto o parlamento aprovou uma lei contra a corrupção em agosto, há quem critique a iniciativa por sua ineficácia, em parte porque não criou um organismo de luta contra a corrupção.

A questão mais importante para alguns recém-chegados ao mundo dos negócios da Birmânia parece ser o acesso à terra. Persiste “uma grande confusão em torno da terra”, contou Bowman. Os agricultores que perderam suas propriedades pelo fato de o Estado tê-las entregue às empresas exigem uma indenização com base nos preços de mercado. Por causa dessa polêmica, os fabricantes internacionais de alimentos – por exemplo, os que se abastecem de açúcar da Birmânia – podem ter problemas jurídicos ou manchar sua reputação, alertou a consultora.

A Birmânia teve “protestos muito difundidos” em suas minas de ouro e cobre, e controvérsias que opõem os setores de “alimentos e energia”, afirmou Lynn Thiesmeyer, vice-presidente do Instituto de Pesquisa Ambiental e Econômica da Birmânia, com sede em Rangum, em referência à entrega pelo Estado de grandes extensões de terra fértil às empresas de energia.

As grandes represas construídas pela China ao longo do rio Salween, bem como outras projetadas na cidade de Sittwe, representam “perda de alimentos e perda de terras, o único ativo ao qual tem acesso a população rural pobre”, disse Thiesmeyer à IPS. Nesse contexto espinhoso, o Centre for Responsible Business, financiado por doadores europeus, ajuda as companhias estrangeiras em sua entrada no mercado, ao apresentar ao governo assuntos que são incômodos para os investidores internacionais.

A organização também busca capacitar as empresas locais em matéria de negócios e direitos humanos. Nos próximos dois anos, a equipe de Bowman avaliará os setores de turismo, petróleo e gás, agricultura, indústria da informação e tecnologias da comunicação. Um punhado de empresas ocidentais aproveitou a abertura, com a promessa de apresentar em troca uma grande quantidade de benefícios como empregos, desenvolvimento agrícola e programas de saúde e higiene para as crianças.

A atividade no setor energético aumentou graças à existência de vastas jazidas de petróleo e gás. O governo anunciou recentemente os ganhadores internacionais de uma licitação para extrair esses hidrocarbonos. Mas a entrega da área em questão ficará sujeita às empresas realizarem estudos de impacto ambiental e social no prazo de seis meses após a assinatura dos contratos.

Enquanto o governo experimentou problemas com a China com relação ao petróleo e ao gás, a líder opositora Aung San Suu Kyi declarou à imprensa em 2012 que não ia convencer as companhias Chevron ou Total a abandonar a Birmânia. Essa última é “sensível às questões de direitos humanos e ambientais”, afirmou.

Também chegou mais investimento estrangeiro no setor do turismo, com a incorporação de redes como a norte-americana Western International ou a francesa Accor. Ambas abrirão novos hotéis, enquanto aumenta o número de visitantes estrangeiros. A fabricante italiana de doces Ferrero e a alemã Haribo anunciaram em 2013 seu desembarque na Birmânia. A norte-americana PepsiCo também anunciou a ampliação de seus interesses comerciais nesse país.

A Nestlé, gigante suíça de alimentos e bebidas, também concretizou sua entrada no país. Contudo, seu porta-voz, Myat Thu Aye, disse que a empresa está “em uma fase muito precoce de instalação, sendo prematuro fazer comentários a respeito”. Outra grande multinacional, a anglo-alemã Unilever, anunciou em maio seu reingresso na Birmânia, com nova fábrica e sede em Rangum.

Nesse cenário se destaca o ressurgimento do grupo norte-americano Coca-Cola. Em 2013, a fabricante de bebidas abriu uma engarrafadora e anunciou investimento de US$ 200 milhões nos próximos quatro a cinco anos, segundo Rehan Khan, diretor-geral da empresa na Birmânia. A partir de 2009, o processo implicou “um estudo amplo do panorama político e econômico, incluindo o potencial de mercado e de riscos”, detalhou.

A Coca-Cola descobriu a prática de discriminação em relação a idade e gênero em duas unidades engarrafadoras associadas, que posteriormente procurou corrigir. A empresa espera gerar 22 mil postos de trabalho ao longo de toda sua cadeia produtiva, incluindo 2.500 empregos diretos, acrescentou Khan à IPS. Também destacou uma iniciativa comunitária da empresa, chamada Swan Yi, que incentiva a educação financeira, e a capacidade e gestão empresariais das mulheres e desde 2012 empoderou mais de 15 mil birmanesas.

Embora várias marcas internacionais procurem abrir espaço nesse mercado pujante, em sua maior parte “as grandes empresas são poucas. É um mito que estejam chegando aos montes. Supomos que tudo isso vai se acertar, mas no momento os problemas legais desanimam os investidores”, ressaltou Bowman. Envolverde/IPS