De como o movimento antirracista do Alabama fez dos Estados Unidos uma democracia verdadeira

Selma, Alabama, junho/2011 – Recentemente, me reuni com alguns dos heróis modernos de nossa nação para relembrar o movimento pelos direitos civis no Alabama. Ninguém fez mais nos últimos 30 anos para combater o ódio racial nos Estados Unidos do que Morris Dees por meio do Southern Poverty Law Center. À frente desta organização, Morris foi um pioneiro na estratégia de levar a julgamento grupos raciais em razão de danos e preconceitos, por valores tão altos que frequentemente os levavam à bancarrota. A reação foi tão feroz que 30 pessoas foram condenadas à prisão por complôs para assassiná-lo.

Com Morris visitei o Capitólio do Alabama, onde, como Promotor Geral dos Estados Unidos, meu pai, Robert Kennedy, foi, há 48 anos, para exigir do governador George Wallace o cumprimento da Constituição e que acabasse com a segregação racial. No dia da reunião, Wallace havia retirado a bandeira norte-americana do Capitólio e em seu lugar hasteado a bandeira da Confederação.

Vistamos o Rosa Parks Museum, onde há uma reconstrução da cena de 1º de dezembro de 1955, quando o motorista branco de um ônibus da cidade de Selma exigiu que a senhora Parks, uma afro-norte-americana, cedesse seu assento a um branco, o que ela se negou a fazer. Outra mulher, Jo Ann Robinson, depois da prisão de Parks propôs um boicote ao transporte público. Três dias depois foi formada a Montgomery Improvement Association, que designou para presidente Martin Luther King. Sucessivamente, 90% dos integrantes da comunidade negra iniciaram o boicote, que durou 13 meses, até que entrou em vigor a decisão da Suprema Corte declarando inconstitucional a segregação racial no transporte público.

Estivemos na Primeira Igreja Batista, onde os Freedom Riders buscaram refúgio após serem atacados. Os Freedom Riders, literalmente viajantes da liberdade, haviam constituído uma organização interracial em maio de 1961, para viajar em ônibus interestaduais do Sul desafiando a segregação racial ainda praticada, em violação à decisão judicial referente a ônibus, salas de espera e restaurantes.

Segundo os ensinamentos de Mahatma Gandhi, a Freedom Riders informaram as autoridades sobre seus planos. O FBI avisou a polícia do Alabama que, por sua vez, informou a Ku Klux Klan. Quando os ônibus chegaram a Montgomery, uma chusma de aproximadamente 2.300 pessoas armadas com correntes e porretes os aguardavam. A polícia havia assegurado que a turba não interviria até que eles terminassem de bater nos manifestantes, como de fato aconteceu.

Depois do brutal ataque, os Freedom Riders que estavam em condições de caminhar buscaram abrigo na Primeira Igreja Batista do reverendo Ralph Abernathy. Três mil manifestantes racistas cercaram a igreja, ameaçando os, em menor número, guardas federais enviados para proteger os ocupantes. Os fanáticos da supremacia branca quebraram os vitrais e jogaram coquetéis molotov, depois de vencerem os guardas federais. Lewis, King e Abernathy telefonaram para Robert Kennedy para informar-lhe sobre o que acontecia. Foi então que o presidente John F. Kennedy ameaçou enviar tropas federais. Finalmente, a Guarda Nacional chegou e dispersou a turba racista.

Também fomos a Selma. Nessa cidade, no dia 7 de março de 1963, Hosea Williams e Lewis organizaram uma marcha de 50 milhas até Montgomery. Quando os 600 manifestantes tentaram partir, encontraram uma muralha de policiais a cavalo. Lewis pediu aos manifestantes que ajoelhassem e rezassem. Sessenta segundos depois, o major Cloud vociferou uma ordem: “Tropa, avançar!”.

A polícia atacou, jogou nos manifestantes gás lacrimogêneo e gás de efeito moral que provoca vômitos e bateu desenfreadamente em homens, mulheres e crianças.

Naquele dia, a rede de televisão CBS interrompeu sua transmissão para mostrar cenas da carnificina. Escandalizadas pela brutalidade policial vista na TV e nas primeiras páginas dos jornais, milhares de pessoas ao longo do país e do mundo expressaram sua indignação. Cinco meses depois entrou em vigor a Lei de Direitos de Voto.

Quando perguntei a Morris como se sentiu ao caminhar, após tantos anos, pelo lugar daqueles acontecimentos, respondeu: “agradecido”.

Eu também me sinto agradecida. Agradecida pela coragem moral de Lewis e dos defensores dos direitos civis que finalmente fizeram de nosso país uma democracia verdadeira. Uma pessoa, um voto. Agradecida pelas mudanças que aconteceram desde 1963 e pelas mulheres e homens que em nosso país e no mundo dedicam suas vidas à defesa dos direitos humanos, às vezes a um preço alto. Envolverde/IPS

* Kerry Kennedy é presidente do Centro Robert F. Kennedy para a Justiça e os Direitos Humanos.