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Cinco anos esperando por uma gota d’água – parte 1

A busca de água potável faz parte da vida cotidiana de muitos haitianos dos bairros pobres da perfieria de Puerto Príncipe. Foto: James Alexis/Haiti Grassroots Watch.

Porto Príncipe, Haiti, 9/12/2011 – O projeto de US$ 2,5 milhões para levar água a bairros pobres da capital do Haiti foi aprovado em 2006. Cinco anos depois, continuam sendo vistas crianças carregando garrafas e baldes pelas ruas. O projeto está quase pronto. “No final de outubro”, prometeu o financiador. É dezembro e nada aconteceu. Aqui, já ninguém acredita nas promessas.

A Haiti Grassroots Watch (HGW) e estudantes da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade do Estado pesquisaram o motivo de a água não ter chegado em cinco anos. Apesar de ter sido construído um novo depósito, tubulações e mais de uma dezena de fontes, a população dos bairros pobres de Debussy e Alto Turgeau ainda deve caminhar horas para conseguir água. Nessa peregrinação diária, adultos e crianças, inclusive de apenas cinco ou seis anos, passam diante dos secos postos de distribuição.

Tercy, estudante universitário, vive em Georges, uma das áreas miseráveis e informais de Turgeau, em uma pequena casa de blocos de cimento que divide com sua irmã. Entre suas atividades diárias, o jovem (que não quis dar o sobrenome) deve acordar muito cedo para buscar água antes de ir para a faculdade. “Tenho que levantar às 5h35 para ir buscar dois galões (mais de sete litros) de água”, contou, enxugando o suor do rosto. Só depois dessa longa caminhada pode se banhar e se preparar para ir à aula.

Emmanuel Lima, com um balde cheio sobre a cabeça, falou do projeto incompleto. “Será uma boa oportunidade para o bairro, mas demoram muito para terminar. Neste país, os que estão no poder são muito negligentes. Não cuidam das coisas realmente importantes. Só querem enriquecer”, afirmou indignado este homem de 42 anos.

Lima e Tercy são dois das centenas de milhares de residentes de Porto Príncipe que precisam buscar água em baldes e frequentemente pagar por ela. Dois terços da população da capital têm de comprar água. Apenas 11% têm torneira, segundo informação de 2002 do Instituto de Estatística e Processamento de Dados do Haiti.

A União Europeia (UE) deu luz verde em 2006 para um projeto destinado a levar água a Debussy e Turgeau, bairros densamente povoados, com cerca de 25 mil pessoas amontoadas em moradias precárias, muitas localizadas em barrancos perigosos. Os principais elementos do projeto eram a construção de um novo depósito de água e ligações para 19 novos postos de distribuição. A execução do plano é supervisionada por três entidades: União Europeia, que financia, Estado e uma organização não governamental francesa (*).

O custo total da iniciativa foi de 100 milhões de gourdes, equivalentes a US$ 2,5 milhões, informou Benoit Bazin, diretor da seção de infraestrutura da UE no Haiti. Cerca de um quarto dessa quantia, US$ 625 mil, foram destinados ao novo depósito. O restante US$ 1,8 milhão foi para restaurar a rede de canalização, a cargo de duas empresas privadas, e para “acompanhamento social”, realizado pelo não governamental Grupo de Pesquisa e Intercâmbios Tecnológicos (Gret).

Maxo Saintil, professor que vive em Alto Turgeau, é um dos que, há mais de cinco anos, começaram a reclamar do governo um sistema de água para aliviar o sofrimento das pessoas. “O fim do projeto será uma vitória para nós, os iniciadores, e beneficiará a população que aproveitará o serviço”, disse a HGW. Contudo, entre a aprovação do projeto e o início dos trabalhos se passaram três anos. Estes “começaram somente em janeiro de 2009”, recordou. E, 35 meses depois, seguem sem terminar por diversas razões.

A Central Autônoma Metropolitana de Água Potável (Camep) não fez um bom estudo inicial. Estava “incompleto” e foi rejeitado, explicou Robenson Jonas Léger, coordenador da Unidade Técnica de Programas de Reabilitação da UE. Esse primeiro estudo recomendou um depósito de 1.200 metros cúbicos. O custo da pesquisa geotécnica chegou a pouco mais de US$ 6 mil.

A Camep aprovou o estudo, mas depois se deu conta de que não previra a possibilidade de um terremoto. O depósito, então, deveria ter uma localização mais elevada e estar apoiado sobre suportes, segundo Léger. “Isso foi em 2007, bem antes do terremoto de 12 de janeiro de 2010”, recordou Léger em sua resposta por e-mail à HGW.

O segundo estudo custou o equivalente a US$ 8,5 mil e foi concluído em 19 de março de 2008, dois anos depois da aprovação do projeto. Este recomendou reduzir a capacidade do depósito, de 1.200 para 900 metros cúbicos, para “ajustar-se ao orçamento disponível”, disse Léger. Também propôs que fosse instalado sobre o terreno, o que é mais caro.

A empresa Tecina assinou um contrato para projetar e construir o depósito por pouco mais de US$ 600 mil, ou um quarto do orçamento total. Mas as obras não começaram imediatamente. “O trabalho começou um ano depois de assinado o contrato”, em março de 2009, recordou o trabalhador social da Gret, Jean Ledu Annacacis. Nove meses mais tarde, em dezembro, segundo Léger, a obra estava terminada. Porém, a água continua sem correr. Envolverde/IPS

* Os atores – Financiador: Escritório da UE no Haiti e sua Unidade Técnica de Programas de Reabilitação; Estado: Central Autônoma Metropolitana de Água Potável (Camep), atualmente chamada Direção Nacional de Água Potável e Saneamento (Dinepa); Sociedade civil: organização francesa Grupo de Pesquisa e Intercâmbios Tecnológicos (Gret), que trabalha em questões hídricas no Haiti desde 1995.

** Este é o primeiro de dois artigos sobre a distribuição de água aos bairros mais pobres de Porto Príncipe. A Haiti Grassroots Watch está associada à AlterPresse, à Sociedade de Animação de Comunicação Social (Saks), à Rede de Apresentadoras de Rádios Comunitárias (Refraka) e a emissoras da Associação de Mídia Comunitária do Haiti.