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Infância da RDC entre a aula e o trabalho

Crianças da República Democrátido do Congo. Foto: Pascale Zintzen/MSF

Kinshasa, República Democrática do Congo, 1/11/2012 – Pendurado na porta de um micro-ônibus, Gires Manoka vai anunciando o destino a potenciais passageiros, enquanto percorre a capital da República Democrática do Congo (RDC). Um homem lhe pergunta se não deveria estar na escola, em lugar de trabalhar. “Estava na sétima série no ano passado, mas não tinha ninguém que pudesse pagar minhas despesas escolares. Não tive outra saída. Este trabalho mantém minha família”, contou. Há milhares de meninos, meninas e adolescentes em toda a RDC que, como Manoka, de 16 anos, são obrigados a trabalhar para se manterem. Muitos abandonam os estudos para vender bala, amendoim, lenços e outros artigos pequenos pelas ruas.

“A difícil situação econômica obriga muitos jovens a trabalhar em tempo parcial para atender suas necessidades enquanto vão à escola. O menos afortunado tem que abandonar os estudos completamente para ganhar a vida”, disse Boniface Mbalu, um pai residente em Kinshasa, em conversa com a IPS. Mbalu explica que a educação não é gratuita na RDC e que muitas famílias pobres não podem comprar os uniformes e outros materiais escolares.

Por sua vez, o chefe do escritório em Kinshasa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Paul Basikila, assegura que esta agência deu passos para melhorar a qualidade do ensino e ajudar as crianças a irem à escola. “Estas medidas poderiam ser mais efetivas se as matrículas escolares fossem eliminadas, como anunciou o governo”, afirmou. Basikila contou que, “no começo do ano letivo 2012-2013, o Unicef lançou uma campanha de conscientização na província de Kasai Ocidental para matricular 40 mil menores, entre eles 18 mil meninas, na escola primária. Também trabalhamos para conscientizar os pais cujos filhos atingem a idade escolar”.

Cécile Tshiyombo, integrante do sindicato de professores, afirma que os problemas do sistema educacional são complexos. “Essas crianças saem para trabalhar para elas mesmas. São crianças que trabalham por um salário igual aos adultos. Já não querem ir à escola. Já são independentes em sua idade, o que não é normal”, disse à IPS. Tshiyombo também acredita que muitos abandonam as aulas porque estas não oferecem algo atraente. “O diploma entregue no final dos cursos, secundário ou universitário, não leva a parte alguma. Se há formados vendendo balas ou água para sobreviver, que futuro os menores veem para si?”, questionou.

Joseph Paulusi engraxa sapatos desde que tinha 11 anos. Agora, com 16, conta à IPS que “fui à escola até a sexta série primária. Mas, depois que meu pai morreu, minha mãe não pôde pagar a escola, por isso decidi ser engraxate”. É ele quem leva o sustento para casa. “Este trabalho me permite ajudar minha mãe. Com o dinheiro que faço por dia, equivalente a US$ 16, ela pode alimentar toda a família”, acrescentou.

Déogratias Nendumba, coordenador de uma iniciativa oficial para ajudar menores que trabalham, explica: “O governo está a par da situação das milhares de crianças que abandonam a escola, e em resposta lançou uma pesquisa em nível nacional”. Os 35 mil menores ouvidos, entre eles mais de 25 mil meninas, abandonaram as aulas entre 2011 e 2012 por diversos fatores, como pobreza, guerra e êxodo das áreas rurais. “Essas crianças têm direito a serem atendidas pela sociedade para poder crescer como adultos. É um paradoxo que tenham de cuidar de suas famílias. Os que permanecem nos colégios muitas vezes perdem sua motivação após serem expulsos por não pagarem as mensalidades”, explicou à IPS.

Estatísticas oficiais mostram que o número de estudantes em todas as escolas da RDC, país com 71,7 milhões de habitantes, foi de 3,1 milhões no ano letivo 2011-2012, dos quais apenas 624.720 eram meninas. “Diante da deterioração da qualidade de vida, tememos que haja bem menos estudantes terminando o atual ano letivo (2012-2013)”, afirmou Mathieu Kembe, do escritório de planejamento e estatísticas educacionais. Envolverde/IPS