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Bombas-barril ilegais arrasam o que resta de Alepo

Membro da defesa civil de Alepo busca sobreviventes após o ataque aéreo com uma bomba-barril nesta cidade síria este mês. Foto: Shelly Kittleson/IPS
[/media-credit] Membro da defesa civil de Alepo busca sobreviventes após o ataque aéreo com uma bomba-barril nesta cidade síria este mês. Foto: Shelly Kittleson/IPS

Alepo, Síria, 21/8/2014 – As congestionadas ruas próximas à Cidade Velha de Alepo, a segunda maior cidade da Síria e outrora um centro industrial e comercial, costumavam estar repletas de oficinas mecânicas. Agora, peças de veículos, ferro-velho, trinitrotolueno (TNT) e outros materiais explosivos são colocados em barris de petróleo, tanques de água ou outros recipientes cilíndricos de grande tamanho que as forças do governo de Bashar al Assad transformam em bombas-barril ao jogá-las de helicópteros sobre áreas povoadas da cidade em poder da insurgência.

O uso de bombas-barril viola a Resolução 2139 do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), que em 22 de fevereiro ordenou ao governo e aos numerosos grupos insurgentes, em guerra desde março de 2011, que deixassem de usar indiscriminadamente as bombas-barril em áreas povoadas. No entanto, as forças governamentais intensificaram esse tipo de bombardeio.

Nos dias que passou na cidade este mês, a IPS ouviu com frequência o estrondo das bombas, tanto durante o dia quanto à noite, e visitou vários lugares povoados que sofreram bombardeios recentes. Era comum ver as unidades de defesa civil organizadas pela comunidade tentando retirar sobreviventes dos escombros, embora muitas vezes sem êxito.

No final de julho, um informe da Human Rights Watch disse que esta organização de direitos humanos identificou, mediante imagens obtidas por satélite, “pelo menos 380 locais danificados” pelas bombas “nas áreas de Alepo sob controle de grupos armados não estatais”, entre 31 de outubro de 2013 e 22 de fevereiro deste ano. Desde então a HRW identificou mais de 650 marcas de impacto provocadas pelas bombas nessas áreas, o que implica um aumento considerável.

Dezesseis de julho foi um dos dias mais mortíferos dos últimos meses na cidade, quando os bombardeios mataram 68 civis, segundo o Centro de Documentação de Violações dos direitos humanos na Síria. A instituição também apontou que, entre 22 de fevereiro e 22 de julho, os ataques aéreos provocaram a morte de 1.655 civis na província de Alepo.

Um funcionário da cidade de Alepo disse à IPS que restam menos de 400 mil habitantes dos aproximadamente 1,5 milhão que havia antes na zona metropolitana da cidade, e acrescentou que a maioria dos que fugiram nos últimos meses se refugiou em outras partes do país. Todos os meses é feita a contagem do número de habitantes para calcular a quantidade de alimentos e outros suprimentos solicitados às organizações doadoras, devido ao enorme deslocamento de população atualmente, acrescentou.

A única estrada que leva à fronteira com a Turquia está em poder da insurgência e corre o risco de cair sob controle do extremista Estado Islâmico do Iraque e o Levante (Isis), ainda que os grupos armados da oposição consigam conter o avanço das forças do governo. As forças de Assad procuram impor o estado de sítio nas zonas de Alepo sob controle rebelde para forçar sua rendição, como fizeram com outras cidades no resto da Síria.

A expulsão do jihadista Isis de extensas áreas que não estão sob controle do governo foi possível exclusivamente graças à luta da insurgência e é provável que muitos dos insurgentes sejam executados se o grupo fundamentalista ingressar novamente na cidade, uma possibilidade que contaria com o consentimento oficial. O governo não jogou bomba-barril contra o Isis, nem sobre o território em seu poder. De fato, até há pouco tempo, as forças armadas sírias só atacavam em escassas ocasiões as áreas controladas por esse grupo.

Desde que o Isis tomou o poder na cidade de Yarabulus, pertencente à província de Alepo, “não houve um só ataque” do governo a essa área, assegurou um ativista local que agora vive na vizinha Turquia, depois de terem suspeitado que ele “falou negativamente” do grupo extremista. Por outro lado, os cilindros cheios de TNT lançados pelas forças governamentais sírias nos últimos meses destruíram a escassa capacidade produtiva que restava à cidade, conhecida mundialmente por seu sabonete de óleo de oliva e seus têxteis, entre outros produtos locais.

Aya Jamili, outro ativista que se refugiou na Turquia, contou à IPS que as poucas empresas que se mantiveram em funcionamento em Alepo durante os sucessivos anos do conflito se mudaram para o vizinho país nos últimos meses com seus equipamentos, seu investimento ou as duas coisas, para começar de novo.

Muitas das atividades necessárias para a sobrevivência cotidiana de Alepo agora são realizadas debaixo da terra. As unidades de defesa civil transformaram estruturas subterrâneas em abrigos, onde também foi celebrado o final do mês sagrado do Ramadã, no final de julho. Qualquer reunião na rua teria chamado a atenção do governo. Muitas pessoas se mudaram para os porões, como fizeram alguns meios de comunicação e padarias, que trabalham à noite para não serem alvo dos ataques.

Frutas e verduras são vendidas em pontos nas ruas mais próximas das áreas do governo, que são mais seguras porque as forças oficiais não jogam bombas-barril perto do território sob seu controle, já que não se pode determinar com precisão onde cairão.

Porém, ainda existe o constante perigo dos franco-atiradores e, para reduzir ao mínimo sua visibilidade, em algumas ruas foram pendurados grandes pedaços de pano, que agora estão crivados de balas. As ruas mais afastadas, antes movimentadas e até congestionadas pelo trânsito e pelas pessoas, parecem desolados terrenos baldios.

No caminho que leva para fora da cidade caíram duas bombas-barril em rápida sucessão enquanto a IPS percorria a área. “Os helicópteros só levam dois desses barris cada um, assim isso será tudo no momento”, assegurou o motorista. Mas, em seguida, um terceiro e ensurdecedor impacto sacudiu os arredores. Mais adiante na estrada, as placas indicando o caminho para “Sheikh Najjar, cidade industrial” estão cheias de buracos de bala, e à distância se observa um cenário apocalíptico de prédios em ruínas. Envolverde/IPS