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Tegucigalpa aprende a mitigar os riscos climáticos

As novas escadarias e corrimões no populoso bairro de La Villanueva, em Tegucigalpa, aliviam a vida de seus habitantes e servem de rota de evacuação diante das chuvas. Foto: Luis Elvir/IPS
As novas escadarias e corrimões no populoso bairro de La Villanueva, em Tegucigalpa, aliviam a vida de seus habitantes e servem de rota de evacuação diante das chuvas. Foto: Luis Elvir/IPS

 

Tegucigalpa, Honduras, 20/1/2014 – Para cerca de 250 mil habitantes da capital hondurenha, o medo de morrer por um evento climático diminuiu, graças a um plano de mitigação do aquecimento global, com pequenas obras realizadas em 180 bairros com vulnerabilidades ecológicas e sociais. O Plano 100×100, de cem obras em igual número de dias, é parte de um projeto de mitigação de riscos financiado pelo Banco Centro-Americano de Integração Econômica, mediante crédito de US$ 26 milhões.

“Antes dessa ponte, as chuvas deixavam este setor incomunicável, descíamos descalços para cruzar o riacho que no inverno aumenta muito e já levou várias casas”, contou à IPS uma moradora do bairro La Mololoa, Xiomara Castellanos, apontando orgulhosa para uma das novas obras. A centena de pequenas construções alcança todos os pontos cardeais de Tegucigalpa, cidade com 1,8 milhão de habitantes, dos 8,5 milhões que o país tem.

A vulnerabilidade da cidade, que junto com a vizinha Comayagüela constitui a capital do país, também chamada Distrito Central, se agravou em 1998 após a passagem do furacão Mitch, que deixou pelo menos 11 mil mortos e oito mil desaparecidos em Honduras, além de elevados danos na infraestrutura, entre outros. A capital hondurenha, localizada em uma cadeia de montanhas que chegam a até 1.300 metros de altura, foi das mais afetadas e 15 anos depois da catástrofe deixada pelo Mitch ainda há áreas onde o tempo parou, com moradias inabitáveis que mostram seus danos intocados.

Nesses 180 bairros selecionados vivem os setores mais desfavorecidos da capital, em ladeiras que, com apenas uma hora de chuva forte, antes registravam deslizamentos e transbordamento de riachos. Julio Quiñonez, subgerente do Comitê de Emergência Municipal hondurenho, disse à IPS que a vulnerabilidade ambiental é alta em muitos setores de Tegucigalpa, mas foram executadas “obras de mitigação, grandes e pequenas, que atualmente fazem com que baixem os níveis de risco”.

Uma das obras é uma pequena ponte e o reforço do riacho sobre a qual foi construída, no bairro pobre de Mololoa, nordeste da capital, que dá aos seus moradores uma via de trânsito e uma rota de evacuação em caso de tempestade. La Mololoa, onde vivem cerca de cinco mil pessoas, é uma área de risco não só pela vulnerabilidade, mas também pela insegurança. As “maras” (gangues) controlam o território diante da falta da autoridade formal.

“Até fungos nos pés apareciam por entrarmos na água, porque os carros que vendem produtos não subiam e quando nossos filhos ficavam doentes descíamos com eles no colo, chapinhando na água”, contou Castellanos, de 35 anos. “Agora, até os carros que vendem água sobem sem problemas, bem como o transporte público e inclusive temos uma rota de evacuação em caso de desastres”, acrescentou, detalhando o isolamento que viviam em La Mololoa.

Johan Meza, responsável pelos projetos de mitigação do Plano 100×100, disse à IPS que as pequenas obras executadas incluem a construção de valas, escadarias, rotas de evacuação, caminhos para veículos, pontes de pedestres, drenagens de água pluvial ou muros de alvenaria, entre outras. Os trabalhos obedecem a um diagnóstico sobre a vulnerabilidade da cidade feito pela Agência Japonesa de Cooperação Internacional e também por outras entidades, como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

A poucos metros de uma das principais artérias viárias da cidade, no leste da capital, está outro bairro de moradias precárias, La Villanueva, cheia de passagens sinuosas que são uma odisseia para poder subir até o alto do morro. Aqui os trabalhos de mitigação vão desde zonas de amortização para evitar deslizamentos, pavimentação de ruas, valetas para escoar água da chuva, até construção de escadarias e corrimões em áreas que antes eram intransitáveis. La Villanueva é um dos bairros mais populosos de Tegucigalpa, com 120 mil habitantes e dividido em oito setores. É muito propenso aos deslizamentos de suas ladeiras.

Enquanto mostrava a construção das escadarias pelas quais esperaram por três décadas, María Elena Benítez, dirigente comunitária, contou à IPS que “aqui engatinhávamos para descer esse morro e chegar ao ponto de ônibus, e, quando chovia, era só barro, não imagina o que passamos”. Benítez acrescentou que “era comum ver gente fraturada, especialmente crianças e idosos, mas isso que fizeram, segundo as autoridades, é o começo e La Villanueva deixará de ser uma zona de alto risco e agora vem um plano de capacitação para sabermos preservar as obras de mitigação”.

“Saber isso, embora pareça pouco, é um benefício para o povo. Os desmoronamentos não serão como antes e com essas obras estamos evitando que a água vaze para outros setores e que o riacho transborde sem ter algo que o evite”, pontuou Yovany Tróchez, presidente do Conselho de La Villanueva, que acompanhou a IPS durante a visita. O prefeito de Tegucigalpa, Ricardo Álvarez, garantiu à IPS que “uma simples chuva pode fazer a diferença entre a vida e a morte diante dos desastres naturais que demonstram a vulnerabilidade de nossa cidade”.

Álvarez e sua equipe não escondem a satisfação pelas obras de mitigação que realizam, ao mostrarem estatísticas indicando que, de 12 mortes registradas por chuvas e deslizamentos em 2010, passou-se para apenas uma no ano passado. O objetivo é que ninguém morra por incidentes derivados das inclemências climáticas, enfatizou Álvarez. Contudo, enquanto se consegue isso, assegurou que a capital é menos vulnerável do que há 15 anos, também graças ao fato de seus habitantes terem aprendido a conviver com o risco. O prefeito destacou que Tegucigalpa é a municipalidade de Honduras mais preparada diante dos riscos da mudança climática.

A outra fase do Plano 100×100 está no que chamam adaptação à mudança climática, que inclui intenso programa de capacitação e dotação de equipes nas áreas assistidas, para que a pessoas estejam preparadas e usem as rotas de evacuação em caso de desastres. Bairros pobres e de construções frágeis, com El Pastel, La Concordia, Campo Cielo, Flor del Campo, Brisas del Norte, Nueva Suyapa, Venezuela, Los Pinos, San Juan del Norte e outros dessa capital são lugares onde o medo de perder o que se tem, começando pela vida, diminuiu. Envolverde/IPS