Solos degradados do planeta vão afetar produção mundial de alimentos

Terras férteis em Madagascar: ecossistemas saudáveis são a base da segurança alimentar. Foto: ONU/Divulgação

Novo relatório apresentado pela FAO mostra que 25% dos solos do planeta estão degradados, podendo causar um novo desafio à tarefa de alimentar uma população mundial que deve chegar a nove bilhões de pessoas em 2050.

A degradação generalizada e o aprofundamento da escassez dos recursos do solo e da água colocaram em risco vários sistemas essenciais de produção alimentar no mundo, aponta um novo relatório da FAO. O relatório fornece, pela primeira vez, uma avaliação global do estado dos recursos dos solos do planeta: 25% estão degradados. Segundo o documento, a degradação e a escassez dos solos e da água impõem um novo desafio à tarefa de alimentar uma população mundial que deve chegar a nove bilhões de pessoas em 2050.

O Estado dos Recursos Solo e Água no Mundo para a Alimentação e Agricultura (Solaw) observa que, embora os últimos 50 anos tenham testemunhado um notável aumento na produção alimentar, “em muitos locais, as conquistas têm sido associadas a práticas de gestão que têm degradado solo e água, dos quais a produção alimentar depende”.

Ainda segundo o estudo, 8% dos solos estão moderadamente degradados, 36% estão estáveis ou levemente degradados e 10% estão classificados como “em recuperação”. O resto da superfície terrestre do planeta está descoberta (cerca de 18%) ou coberta por massas de água interiores (cerca de 2%). Os dados incluem todos os tipos de terras. A definição de degradação da FAO vai além do solo e da água. Ela abrange outros aspectos dos ecossistemas afetados, como a perda de biodiversidade.

Grandes extensões de terra em todos os continentes são alvos, com uma incidência particularmente alta ao longo da costa oeste das Américas, na região mediterrânea do sul da Europa e Norte da África, no Sahel, no chamado Chifre da África (no nordeste do continente africano) e em várias partes da Ásia. A maior ameaça é a perda de qualidade do solo, seguido da perda de biodiversidade e do esgotamento dos recursos hídricos.

Atualmente, cerca de 1,6 bilhão de hectares dos melhores e mais produtivos solos do mundo são utilizados para o cultivo. Partes destas áreas estão sendo degradadas devido às práticas agrícolas que causam erosão hídrica e eólica, perda de matéria orgânica, compactação do solo superficial, salinização e poluição do solo e perda de nutrientes.

Distribuição da degradação do solo no mundo: gráfico.

Alguns sistemas “enfrentam o risco de um colapso progressivo da sua capacidade produtiva devido a uma combinação entre a excessiva pressão demográfica e a prática insustentável da agricultura”, diz o relatório.

Nenhuma região está imune: podem ser encontrados sistemas sob risco em todo o mundo, desde as terras altas dos Andes até às estepes da Ásia Central, passando pela bacia do Rio Murray-Darling, na Austrália, e no interior dos Estados Unidos.

Sistemas agrícolas em risco: mapa | tabela.

Ao mesmo tempo, o relatório sugere que, uma vez que as limitações dos recursos naturais são cada vez maiores, a competição por terra e água será universal. Haverá competição para uso urbano e industrial, bem como no setor agrícola, entre pecuária, culturas básicas, culturas não alimentares e produção de biocombustíveis.

Além disso, prevê-se que as mudanças climáticas vão alterar os padrões de temperatura, precipitação e das correntes dos rios, dos quais os sistemas mundiais de produção de alimentos dependem.

O texto observa que o desafio de fornecer alimentos suficientes para um planeta com registros crescentes de fome crônica nunca foi tão grande – especialmente nos países em desenvolvimento onde solos de qualidade, nutrientes e água são menos abundantes.

“O relatório Solaw destaca que o impacto coletivo das pressões e as consequentes transformações agrícolas colocam alguns sistemas de produção em risco de colapso, tanto do ponto de vista da sua integridade ambiental como da própria capacidade produtiva. Os sistemas podem simplesmente não ser capazes de responder à demanda da população mundial até 2050. As consequências, em um contexto de fome e pobreza, são inaceitáveis. A decisão de corrigir isto deve ser tomada agora”, disse o ex-diretor-geral da FAO, Jacques Diouf.

Sinais de alerta

Entre 1961 e 2009, as terras cultiváveis no mundo cresceram 12%, enquanto a produção agrícola aumentou 150%, graças a um crescimento significativo da produtividade das principais culturas.

Mas um dos “sinais de alerta” apontados pelo relatório Solaw é que as taxas de crescimento na produção agrícola foram diminuindo em muitas áreas e hoje são apenas metade do que eram no auge da Revolução Verde.

O documento retrata um mundo alvo de um crescente desequilíbrio entre a disponibilidade e a procura por terras e água em nível local e nacional. E adverte que o número de áreas que atingiram o limite da sua capacidade de produção aumenta rapidamente.

Escassez de água e poluição na nascente

O Solaw traz ainda detalhes sobre o aumento da escassez de água. A salinização e a poluição das águas subterrâneas aumentaram, assim como a degradação das massas de água e dos ecossistemas relacionados. Grandes massas de água interiores estão sob a pressão de uma combinação de fluxos reduzidos e uma maior sobrecarga de nutrientes – a acumulação excessiva de nitrogênio e fósforo, por exemplo. Muitos rios não desaguam e os pantanais estão desaparecendo.

Nas principais áreas de produção de cereais do mundo, a extração intensiva de águas subterrâneas está secando os reservatórios de água e prejudicando o acesso das comunidades rurais às águas subterrâneas.

O relatório da FAO adverte que “a dependência de muitos sistemas de produção alimentar em relação às águas subterrâneas, o declínio dos níveis freáticos e a extração contínua de água subterrânea não renovável representam um risco crescente para a produção alimentar local e global”.

Distribuição da escassez de água no mundo: mapa.

A armadilha da pobreza

“Em todo o mundo, os mais pobres têm menos acesso a solo e água e são apanhados na armadilha da pobreza das pequenas propriedades com solos de má qualidade e alta vulnerabilidade à sua degradação e à incerteza climática”, observa o relatório.

Cerca de 40% dos solos degradados no mundo encontram-se em áreas com elevadas taxas de pobreza. Além disso, num sinal de que a degradação é um risco em todos os níveis de rendimento, 30% dos solos degradados do mundo encontram-se em áreas com níveis moderados de pobreza, enquanto 20% estão em áreas com baixos índices.

Perspectivas para o futuro

A FAO estima que, em 2050, o crescimento da população e da renda vai exigir um aumento de 70% da produção global de alimentos. Isso equivale a mais um milhão de toneladas de cereais e 200 milhões de toneladas de produtos de origem animal produzidos anualmente.

O relatório afirma que, “para melhorar a nutrição e diminuir a insegurança alimentar e a desnutrição, a produção agrícola terá de aumentar mais rapidamente que o crescimento populacional. Os padrões de consumo também têm de ser ajustados”.

Dos ganhos de produção, 80% terão de ocorrer na maior parte das terras agrícolas existentes por meio da intensificação sustentável, que utiliza os recursos do solo e da água sem causar danos.

Recomendações

De acordo com o relatório, melhorar a eficiência do uso da água pela agricultura será fundamental. A maioria dos sistemas de irrigação funciona abaixo de sua capacidade. A combinação de uma melhor gestão da irrigação, o investimento no conhecimento local e na tecnologia moderna e o desenvolvimento da capacitação podem aumentar a eficiência do uso da água.

Além disso, práticas agrícolas inovadoras, como a agricultura de conservação, sistemas agroflorestais, integração da produção vegetal e da pecuária, e sistemas integrados de irrigação e aquicultura prometem expandir a produção de forma eficiente para garantir a segurança alimentar e combater a pobreza, restringindo ao mesmo tempo os impactos sobre os ecossistemas.

Recentemente, a FAO chamou a atenção para a importância da intensificação sustentável da produção agrícola na publicação Poupar e Crescer: Um Novo Paradigma para a Agricultura, lançado no início do ano.

Estima-se que, entre 2007 e 2050, o investimento na gestão dos sistemas de irrigação dos países em desenvolvimento seja de quase US$ 1 trilhão. A proteção e recuperação dos solos, somadas ao controle de inundações, exigirão cerca de US$ 160 milhões de investimentos no mesmo período.

A FAO recomenda atenção para as técnicas que tornam a produção sustentável e eficiente, modernizam as instituições e as políticas nacionais. Ações coordenadas de instituições bem preparadas poderão responder aos desafios da gestão dos solos e da água.

O Solaw traz inúmeros exemplos de atividades bem-sucedidas em várias partes do mundo. Há muitas opções de experiências que podem ser reproduzidas em outros lugares. Dada a crescente competição por recursos naturais, as partes interessadas precisam avaliar os compromissos entre a variedade de bens e serviços do ecossistema. Este conhecimento pode servir para mobilizar a vontade política, a definição de prioridades e as ações adequadas dos governos.

* Publicado originalmente no site EcoAgência.