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A Europa vota por um ontem melhor

Por Roberto Savio*

Roma, Itália, novembro/2015 – As recentes eleições na Suíça e na Polônia são bons indicadores do que ocorrerá em outros lugares da Europa com a crescente onda de refugiados. Mas, antes de tudo, é preciso fazer considerações cruciais.

Primeiro, que o sistema atual de relações internacionais e de governança nacional deixou de funcionar. Estamos vivendo um período de transição, mas ninguém sabe para onde. A esquerda não tem um manifesto e a direita só cavalga no status quo. Não existe um pensamento político de longo prazo.

Segundo, vive-se uma época de “nova economia”, baseada na supremacia das finanças sobre a produção. Funcionários não eleitos, como os governadores dos bancos centrais e os banqueiros, têm muito mais poder do que antes.

Essa nova economia considera os empregos precários uma realidade legítima, a desigualdade social natural, o mercado como a base exclusiva para o desenvolvimento da sociedade, e que o Estado é ineficiente e um freio para o setor privado.

Terceiro, as instituições políticas estão se ofuscando. Hoje nenhum partido conta com um verdadeiro movimento juvenil. São percebidos cada vez mais como autorreferentes, que consideram os cidadãos apenas como eleitorado, e são vistos mais como parte do sistema no poder do que como porta-vozes da sociedade.

Os números da política (e da corrupção) crescem ano após ano. As próximas eleições norte-americanas custarão mais de US$ 4 bilhões. Segundo a London School of Economics, o custo da campanha eleitoral na Europa aumentou 47% na última década.

Muitos consideram que agora vivemos em uma democracia que está se convertendo em plutocracia.

Quarto, o multilateralismo está em crise. Os Estados Unidos deixaram de ratificar todo tratado internacional, desde a convenção Internacional sobre os Direitos da Criança até a do Direito Marítimo.

A Organização das Nações Unidas (ONU) foi marginalizada. As organizações regionais, com União Africana, Associação de Nações do Sudeste Asiático, ou a Organização dos Estados Americanos, se converteram em notoriamente ineficazes.

A União Europeia (UE) está saltando da crise existencial do euro (Grécia) para a ainda mais grave dos refugiados. A Grã-Bretanha está liderando uma carga contra Bruxelas para a restituição de poderes, o que criará um precedente que outros invocarão, começando por Hungria e Polônia.

Assim, não é difícil entender o motivo de os eleitores europeus estarem votando com base na nostalgia política e na falta de segurança. Diante de um futuro incerto, se fortalece o sonho de voltar a um passado melhor.

As eleições na Suíça e na Polônia premiaram os partidos que prometeram defender a identidade nacional contra os estrangeiros, em particular muçulmanos.

O caso polonês é emblemático. O país é um dos maiores beneficiários da ajuda da UE. Quis ingressar na União Europeia para conseguir fundos e apoio, mas sem a mínima intenção de dar algo em troca, como demonstra a negativa em aceitar imigrantes.

Vale lembrar que até a crise financeira que eclodiu em 2008, a xenofobia e os partidos de direita radical eram marginalizados em quase toda a Europa, mas em pouco tempo se converteram em atores importantes em todo o continente, inclusive em países conhecidos por seu senso cívico e de tolerância, como a Holanda e os países nórdicos.

É desconcertante ver trabalhadores e pessoas de baixa renda votarem na Frente Nacional, na França, no Movimento 5 Stelle, na Itália, no Partido da Independência, no Reino Unido e, agora, Paz e Justiça, na Polônia.

O sonho de regressar a um passado seguro e ordenado é o que leva a votar em um partido xenófobo, de direita radical e antieuropeu.

Também vale a pena recordar que grande parte dos cidadãos europeus ainda não recuperou a qualidade de vida que tinha antes de 2008. Os jovens pagam um custo desproporcional por uma crise provocada pelo setor financeiro, que recebeu para seu resgate muito mais dinheiro do que o destinado a políticas de emprego ou para a recuperação social.

A nostalgia do passado também explica a origem do Tea Party, nos Estados Unidos, criado pela ala radical do Partido Republicano, e a vitória de Justin Trudeau, no Canadá.

Para o Ocidente apresenta-se um problema.

Atualmente existem 60 milhões de refugiados, sem incluir nesse número os que fogem de perseguições sexuais, como os gays na África, ou as mulheres que fogem do Boko Haram, na Nigéria. Tampouco estão contabilizados aqueles que são obrigados a se deslocar por causa da mudança climática – que segundo a ONU serão outros 15 milhões até 2025 –, aos quais deve-se acrescentar os que escapam da fome e das ditaduras.

A demografia é clara. A África terá um bilhão de habitantes em 2030, enquanto a Europa perderá 15 milhões até essa data. A Europa que conhecemos, homogênea, branca, cristã e tolerante vai desaparecer. E isso não acontecerá sem uma boa dose de sofrimento.

Os Estados Unidos se converteram em um país multicultural e multiétnico em pouco mais de cem anos. De acordo com os registros da ilha de Ellis, o ponto de entrada mais importante de imigrantes, nove milhões de irlandeses, alemães, austríacos e escandinavos entraram na época do barco a vapor, bem como mais de oito milhões de poloneses, búlgaros, romenos, húngaros, russos e bálticos, e mais de cinco milhões de italianos e gregos.

Em umas poucas décadas, um total de 22,5 milhões de europeus se converteram em norte-americanos. A Europa não está preparada nem mesmo para um décimo disso… Envolverde/IPS

* Roberto Savio é fundador da agência IPS e editor do boletim Other News.