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A culpa por ser celeiro e mina do mundo

Rio de Janeiro, Brasil, 13/6/2012 – O papel da América Latina como provedora mundial de matérias-primas, em expansão pela crescente demanda por alimentos e minerais, tem um alto custo ambiental. Ativistas e especialistas entendem que o dilema é buscar novas formas de produção ou substituir o atual modelo exportador. Ernesto Guhl Nannetti, diretor do colombiano Quinaxi Instituto para o Desenvolvimento Sustentável, lançou a primeira pedra.

“Com o processo de crescimento da China ou do sudeste asiático disparou a demanda por matérias-primas, e isto contribui para um forte aumento do processo de extração na América Latina, com os consequentes danos ambientais importantes, especialmente na mineração de ouro e de metais”, disse Nannetti em entrevista à IPS. Nannetti integrou o grupo internacional que elaborou o quinto informe sobre as Perspectivas do Meio Ambiente Mundial (GEO 5), apresentado este mês no Rio de Janeiro pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).

O ambientalista alerta que se os governos latino-americanos não “colocarem limites claros” à exploração de recursos minerais, ou se não estabelecerem áreas específicas para fazê-la, “poderá haver efeitos muito graves no futuro”. Já em 2010 uma análise da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) dizia isso, ao alertar que as exportações da região “estão ancoradas” em seus recursos naturais. Em 2009, quase 40% das vendas eram de matérias-primas contra 26,7% em 1999. Nos países mineradores e especialmente petroleiros, a proporção foi maior.

Agora, o argumento se reforça ambientalmente a partir de informes como o GEO 5, que dedica um capítulo a esta região, que conta com 23% de todas as florestas do mundo e 31% de seus recursos de água doce. “Os ricos recursos naturais latino-americanos e caribenhos são fundamentais para a saúde ambiental do planeta, mas qualquer tentativa de protegê-los será insuficiente se seus governos não redobrarem esforços para criar novas políticas de proteção e aplicar as existentes”, afirma o Pnuma. O documento não responsabiliza diretamente o modelo exportador pela degradação de recursos, mas fornece dados chamativos a respeito.

“O crescimento da população e os padrões de consumo insustentáveis dizimam ambientes naturais em favor da agricultura e da extração de matérias-primas, com impactos sobre a biodiversidade da região”, destaca o estudo. Um dos exemplos citados é o aumento das terras cultiváveis em 83% desde 1960, coincidindo com um desmatamento expansivo. A região perdeu quatro milhões de hectares ao ano entre 2005 e 2010. O aumento da demanda mundial por carne bovina também contribuiu para esse dano.

O GEO 5 destaca que o aumento dos preços dos alimentos, bem como das misturas obrigatórias impostas aos biocombustíveis, por parte da Europa, por exemplo, estimularam o aumento das plantações de palma africana na Colômbia e na Guatemala, da cana-de-açúcar para produzir etanol no Brasil, e de soja no sul da América. A pecuária, que consome mundialmente 8% da água, também incidiu na redução da quantidade e qualidade dos recursos hídricos da região. E a biodiversidade dos trópicos caiu 30% desde 1992, por vários fatores ligados, entre outros, “às práticas insustentáveis do uso da terra”. Também afetada pela expansão da fronteira agrícola, a selva amazônica poderia perder um terço de seu bioma até 2100 devido à mudança climática.

N atual etapa de capitalismo se percebe uma “nova divisão internacional da produção”, afirmou João Pedro Stédile, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e em nível internacional da Via Campesina. Nessa nova repartição, declarou à IPS que à América Latina cabe o papel de exportador de matérias-primas minerais e agropecuárias, à Ásia o das indústrias intensivas devido ao seu baixo custo salarial, e ao Hemisfério Norte o das indústrias de alta tecnologia e altos salários.

Como segunda causa, Stédile aponta a “ofensiva do capital financeiro”, em perigo no Norte após a crise surgida em 2008 nos Estados Unidos, que “correu para nossa região a fim de apoderar-se dos recursos naturais”. Os “povos locais são os que ficam com o passivo da contaminação e dos desequilíbrios climáticos que geram secas e inundações, entre outros desastres”, acrescentou. Um modelo que, segundo Stédile, apesar de se repetir em toda a região, no Brasil tem um exemplo “trágico”.

Um informe do Banco Nacional de Desenvolvimento quantifica os investimentos no Brasil para o período 2012-2015. Dos R$ 534 bilhões previstos, 60% serão para petróleo e gás, 10% para exploração mineral, e 10% para a indústria de celulose. “Isto significa que 80% desses investimentos produtivos serão para a exportação de bens minerais e matérias-primas”, ressaltou. O Pnuma aponta experiências positivas como as que no Brasil ampliaram as áreas protegidas de florestas, ou condicionaram créditos rurais à proteção ambiental.

Outro colaborador desse informe, Carlos Klink, secretário de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente do Brasil, propõe soluções “científicas”, nas quais “os que tomam as decisões devem se basear”. O especialista estudou o Cerrado, segundo maior bioma brasileiro depois da Amazônia, mas que pela expansão agrícola registra os piores índices de desmatamento do país. O desafio era como “conciliar o uso da terra com a conservação” sem sacrificar o desenvolvimento agrícola que trouxe “benefícios socioeconômicos inegáveis. O que fazer com essas terras degradadas? Tivemos capacidade científica para melhorá-la mudando apenas o tipo de produção”, deu como exemplo.

Uma resposta para a qual também apontam organismos como o Fundo das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura: promover “um desenvolvimento da produção e do consumo mais sustentáveis. Uma revolução duplamente verde”, indicou em uma entrevista à IPS o seu diretor, José Graziano. Enquanto isso, a Cúpula dos Povos, paralela à Rio+20, questiona “soluções para os limites do planeta”, como os transgênicos, os agrocombustíveis, a nanotecnologia e a biologia sintética, e propõe enfrentar as verdadeiras causas da degradação ambiental, ou seja, “um falido modelo econômico agora disfarçado de verde”. Pelo menos, o sentido de urgência é unânime. Envolverde/IPS