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O milagre de Lisboa: a estratégia de Portugal para sair da crise

Virgilio Viana* – 

Portugal está saindo de uma crise econômica de maneira surpreendente e que merece atenção. Estimativas apontam para um crescimento do PIB de até 2,4% em 2017, o que representa a taxa de crescimento mais elevada desde 2007. Isso é marcante, depois de três anos (2011-2013) de decrescimento da economia e uma séria crise de confiança. O déficit público deve ser menor do que 1,5% em 2017. O investimento estrangeiro direto aumentou 26% entre 2015 e 2016. É uma trajetória muito diferente da Grécia, que passou por crise semelhante, no mesmo período. Portugal é hoje um país que atrai interesse internacional.

Durante o Horasis Global Meeting, em Portugal, de 27 a 30 de maio de 2017, o Primeiro Ministro Antônio Costa e o Ministro da Economia de Portugal, Manoel Caldeira Cabral, debateram as principais razões das boas perspectivas para o país. Esse artigo decorre dos debates neste evento e de conversas com ambos. A moderadora de um dos painéis, a editora da The Economist, Anne McElvoy, usou a expressão “milagre de Lisboa”, que inspirou o título desse artigo.

Um dos fatores mais expressivos do momento em que vive Portugal é a estabilidade política. O presidente (Marcelo Rebelo de Sousa) é um conservador e o Primeiro Ministro (Antônio Costa) é um socialista. Tanto o presidente quanto o primeiro ministro possuem elevados índices de aprovação: 70% e 46%, respectivamente. Essa coalizão ampla possibilitou a construção de uma agenda de reformas políticas de longo prazo, guiadas mais pelo interesse nacional e espirito público do que pelos interesses partidários. A mensagem do Primeiro Ministro expressa isso de forma clara: “precisamos de menos dogmatismo e mais pragmatismo para fazer as reformas estruturais que o país precisa”.

Diante da atual crise do Brasil, vale refletir sobre algumas lições da experiência portuguesa recente, que devem incluir:

  • Liderança política sólida e governo estável, com respeito e credibilidade junto à sociedade. Ministros com elevada qualificação técnica.
  • Políticas que promoveram um salto na qualidade da educação e avanço na qualificação da população.
  • Políticas de estímulo à inovação e criatividade, com diversas medidas de apoio a startups como estratégia para a geração de empregos e fomento da economia.
  • Políticas de atração de investimento externo para atividades produtivas.
  • Políticas voltadas para o desenvolvimento sustentável, especialmente energia renovável, com ênfase para solar e eólica (60% da energia do país).
  • Boa infraestrutura, qualidade de vida e segurança, capazes de atrair e fixar talentos no país.
  • Espírito cosmopolitano, com elevada parcela da população dominando mais de uma língua e tendo vivido em outros países.
  • Autoconfiança e autoestima elevada da nova geração, que apresenta elevados níveis de inovação e empreendedorismo.

Esta não é uma lista exaustiva, mas são pontos que podem e devem servir de inspiração para o Brasil. Para sair da atual crise precisamos desenhar uma estratégia que tenha uma perspectiva mais ampla de desenvolvimento. Não se trata de olhar apenas para o crescimento da economia e os números do PIB de forma isolada. É necessário ter uma estratégia de longo prazo, de caráter estruturante e holístico, baseada num projeto suprapartidário de país, que seja inteligente, inclusivo e sustentável.

A crise atual é uma excelente oportunidade para pensar as reformas que o Brasil precisa. Ao fazermos esse essencial exercício, é interessante analisar o que ocorre com o “milagre de Lisboa”. Vale a pena buscar inspiração noutros países que conseguiram superar seus desafios, muitos dos quais são semelhantes aos nossos. As soluções para o Brasil, entretanto, terão que ser inventadas e construídas por nós mesmos, por meio de um amplo processo de debate nacional, uma vez que nossas circunstâncias são singulares.

* Virgilio Viana é superintendente-geral da Fundação Amazonas Sustentável (FAS).