Internacional

Milhares de pessoas com câncer sem tratamento

Jovia, que morreu em abril deste ano, tinha aids e câncer de colo do útero, uma combinação mortal que afeta milhares de mulheres em Uganda. Foto: Amy Fallon/IPS
Jovia, que morreu em abril deste ano, tinha aids e câncer de colo do útero, uma combinação mortal que afeta milhares de mulheres em Uganda. Foto: Amy Fallon/IPS

Por Amy Fallon, da IPS – 

Kampala, Uganda, 28/7/2016 – Uganda, que no passado teve um enorme êxito na luta contra o HIV, está perdendo a batalha contra o câncer, o grande problema de saúde deste país da África oriental. Um em cada 500 ugandeses tem essa doença, mas somente 5% receberão algum tipo de tratamento.

Deitada em uma cama suja em um precário hospital de Kampala, Jovia, de 29 anos, esboçou um fraco sorriso enquanto um médico lhe entregava uma pequena garrafa verde com um líquido. “Estou muito contente por terem trazido morfina. Controla minha dor e deixa minha vida mais suportável”, disse à IPS poucas semanas antes de morrer.

Jovia sofria de aids e câncer de colo do útero, uma combinação mortal que afeta milhares de mulheres em Uganda. Graças à Hospice Africa Uganda (HAU) – uma organização que proporciona cuidados paliativos, fundada há 23 anos pela britânica Anne Merriman –, os pacientes como Jovia recebem não apenas morfina, mas também esperança e dignidade em seus últimos dias.

À doutora Merriman, de 81 anos, é atribuída a introdução dos cuidados paliativos na África. A HAU atendeu 27 mil pessoas moribundas desde 1993, a grande maioria com morfina, que produz em sua sede de Kampala por apenas US$ 2 a garrafa, com financiamento estatal.

Segundo o Instituto do Câncer de Uganda (UCI), 80% dos pacientes morrem em decorrênciade diagnósticos tardios devido à má detecção e à falta de serviços de saúde. Para os pacientes como Jovia, que morreu em 29 de abril e deixou uma filha de 14 anos, a radioterapia pode curar ou prolongar a vida quando se trata a doença nas primeiras etapas.

Entretanto, no início de abril, a única máquina de radioterapia de Uganda, utilizada por cerca de 30 mil pacientes/ano, quebrou de forma irreparável. Desde então, milhares de pessoas com câncer ficaram sem o tratamento. Em 2013, o governo havia comprado outra, por US$ 500 mil, mas não construiu as instalações necessárias (chamadas de bunker) para sua instalação, mas prometeu que o faria nos próximos seis meses.

O hospital da Universidade Aga Khan, de Nairóbi, no Quênia, ofereceu tratamento gratuito a 400 pacientes ugandenses com câncer, que seriam enviados pelo governo de Uganda através do UCI. Porém, mais de três meses depois persiste a confusão e as contradições sobre o cumprimento dessa promessa. Nem o Ministério da Saúde nem o UCI confirmaram ter enviado pacientes para tratamento no Quênia.

Uma bandeja com morfina na Hospice Africa Uganda. Foto: Amy Fallon/IPS
Uma bandeja com morfina na Hospice Africa Uganda. Foto: Amy Fallon/IPS

Christine Namulindwa, relações públicas do UCI, explicou que os pacientes que vão a Nairóbi têm que passar por uma “avaliação” e receber aprovação de uma comissão. “Até agora apresentamos 15 nomes ao Ministério da Saúde e outros mais foram apresentados”, informou em junho. A promessa do tratamento gratuito no hospital Aga Khan não incluía o custo do transporte dos pacientes e sua estadia, acrescentou.

No primeiro dia deste mês, Anthony Mbonye, diretor-geral interino de Serviços de Saúde, garantiu à IPS por e-mail que o Ministério havia “recebido um orçamento para apoiar os pacientes enviados a Aga Khan e fornecerá transporte e fundos para sua manutenção”. Um advogado havia “preparado um memorando de entendimento entre o hospital e o UCI”, destacou.

Mbonye também explicou que a “máquina de radioterapia foi comprada, mas o bunker ainda não está pronto. Dentro de dois meses o equipamento será instalado e o serviço será retomado”.Segundo a imprensa informou no começo deste mês, a “longa espera” havia “terminado” para os pacientes, após a assinatura do memorando de entendimento que permitia que 400 dos 17 mil pacientes com câncer recebessem “tratamento”. Mas os meios de comunicação não mencionaram as datas de partida para o Quênia.

Outra versão dizia que viajariam apenas os pacientes que tivessem meios para se manter, que o alojamento e outros serviços de apoio seriam organizados pela Alta Comissão de Uganda em Nairóbi e, ainda, que a ida de 20 pacientes estava aprovada.

Sete pacientes serão tratados no Aga Khan não por meio do UCI ou do governo de Uganda, mas de uma associação entre a HAU e o Road toCare, um programa desenvolvido pelo médico canadense JodaKuk em 2011, quando viu mulheres com câncer de colo uterino nas zonas rurais de Uganda que necessitavam de ajuda urgente para receber radioterapia em Kampala.

Mary Birungi e Mary Gahoire, ambas do oeste ugandense, voltaram para casa no dia 21 deste mês, após viajarem por rodovia ao Quênia, onde receberam radioterapia e foram alojadas pelo Road to Care. Agora estão de volta às suas famílias. Dois outros pacientes estão recebendo tratamento e logo outros dois viajarão ao Quênia. Está previsto que o sétimo viaje a esse país no começo de agosto.

A doutora Merriman pediu ao governo de Uganda que faça todo o possível para completar a construção do novo bunker para que a nova máquina de radioterapia possa ser utilizada. “Estamos muito contentes pelo fato de o Road toCare possibilitar o tratamento desses sete pacientes no Quênia, mas isso é apenas uma gota no oceano. A necessidade é enorme. Houve muita confusão já que o equipamento quebrou, causando enorme estresse aos pacientes e às suas famílias. Enquanto a radioterapia não estiver disponível em Uganda, morrerão muitos pacientes”, acrescentou.

Para muitos já é muito tarde. Vesta Kefeza, de 49 anos e mãe de sete filhos, tem câncer de colo uterino avançado. Deitada em um colchão no chão de sua casa de um único quarto, no assentamento de Namugongo, em Kampala, está imóvel, pois sua perna inchou devido à uma complicação pelo câncer. Ela está no programa da HAU desde 2011 e a morfina é aplicada por suas enfermeiras.

Em 2004, Uganda se converteu no primeiro país a permitir que as enfermeiras receitassem esse medicamento. A equipe de cuidados paliativos também proporciona alimentos e apoio espiritual.Em junho, graças a uma doação da Irlanda, Kefeza recebeu uma cadeira de rodas, o que lhe permite sair e tomar ar fresco e ir à igreja. “Até então, ficava na cama o dia todo. Agradeço a Deus por minhas bênçãos. Tenho a sorte de a HAU cuidar de mim”, enfatizou. Envolverde/IPS