ODS esquecem dos indígenas

Indígenas brasileiros durante protesto pedindo que sejam cumpridos seus direitos como povos originários, na cidade do Rio de Janeiro. Foto: Mario Osava/IPS
Indígenas brasileiros durante protesto pedindo que sejam cumpridos seus direitos como povos originários, na cidade do Rio de Janeiro. Foto: Mario Osava/IPS

Por Fabíola Ortiz, da IPS

Nações Unidas, 6/11/2015 – Os povos indígenas não aparecem com metas específicas na Agenda de Desenvolvimento Sustentável para 2030, o que permite que seus direitos continuem sendo deixados para trás e com pouca visibilidade, especialmente na América Latina, afirmaram especialistas consultados pela IPS. Eles recordam que, nos países latino-americanos, há mais de 200 conflitos em territórios indígenas, quase todos vinculados às atividades de mineração e aos hidrocarbonos.

Nenhum dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), adotados em setembro por chefes de Estado e de governo, durante uma cúpula na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, Estados Unidos, estabelece explicitamente metas para os povos indígenas. Assim, agora o debate é como garantir que na implantação da nova agenda se avance para um modelo de desenvolvimento sustentável que respeite e assegure os direitos dos povos indígenas.

Na opinião de Victoria Tauli Corpuz, relatora especial sobre os direitos dos povos indígenas das Nações Unidas, a nova agenda não desafia o modelo imperante. “Deve ser uma agenda transformadora e, portanto, deveria transformar o modelo econômico, ser mais inclusiva, ambiental e socialmente. Deveria reformar toda a economia para ser mais sustentável, assegurar uma proteção social e realmente dar segurança econômica aos mais marginalizados. Se não for assim, nada mudará”, afirmou à IPS.

Corpuz lamentou que a inclusão dos indígenas na Agenda 2030 seja tão débil e analisou que os povos originários “novamente podem ficar para trás na conquista de direitos se não se fizerem ouvir e pressionarem os governos nacionais e locais, acrescentou. Segundo a relatora, os ODS têm uma premissa transformadora, mas não contêm suficientes elementos para que ninguém fique para trás. “Os povos indígenas devem estar ainda mais conscientes dos ODS para desafiar e pressionar os governos nacionais e terem seus direitos respeitados”, ressaltou.

Corpuz considerou necessária a criação de indicadores específicos, que possam medir e monitorar, por meio de estatísticas, se as metas de desenvolvimento sustentável terão algum impacto sobre a realidade vivida pelos indígenas. “Em minha opinião, não deixar ninguém de fora significa dar visibilidade às comunidades marginalizadas, e para isso é preciso avaliar os objetivos com indicadores estatísticos específicos. Do contrário, os objetivos não serão visíveis. Infelizmente, não vejo isso tão explícito na agenda dos ODS como deveria estar”, pontuou.

Para Fabiana del Popolo, especialista da Divisão de População da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), para a região um importante desafio das metas específicas dos ODS será, precisamente, mudar a mentalidade em que se sustenta a discriminação estrutural contra os indígenas.

“Um desafio é terminar de descolonizar a América Latina. Os povos indígenas sempre estiveram historicamente em uma posição discriminada, resultado de longos processos históricos, que começaram com a chegada dos conquistadores” (espanhóis), afirmou a especialista.

Del Popolo também disse que, no início do século 20, todas as políticas para os povos indígenas se baseavam em integrá-los à cultura dominante. “Era preciso incorporar o indígena à sociedade em geral e aculturá-lo”, afirmou. E acrescentou à IPS que nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), adotados em 2000 e que agora serão substituídos pelos ODS, os povos indígenas estavam “absolutamente ausentes”.

Nos ODS, a serem alcançados até 2030, estão incluídos em alguns deles, como no da erradicação da pobreza (1), na luta contra a fome (2) e na proteção dos ecossistemas terrestres (15). “Não há nenhum objetivo específico para os indígenas. Eles somente são mencionados dentro de alguns. É muito pouco”, ressaltou a funcionária da Cepal. De fato, “os grandes avanços registrados em nível nacional em matéria dos direitos dos povos indígenas se dão por resistência dos próprios indígenas e porque se constituíram em ativos atores políticos, mas ainda há brechas que se aprofundam”, apontou.

O informe Os Povos Indígenas da América Latina. Avanços na Última Década e Desafios Pendentes Para a Garantia de Seus Direitos, publicado pela Cepal em novembro de 2014, diz que até agora os modelos de desenvolvimento lhes foram impostos, tiveram sua cultura negada e foram estigmatizados como coletivos que impedem o desenvolvimento.

Os ODS não são suficientes para corrigir esses erros, especialmente com relação aos seus direitos coletivos, consagrados em instrumentos como o Convênio sobre Povos Indígenas e Tribais, conhecido como Convênio 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

“Há disparidades entre marcos jurídicos dos países e igualmente no desenho de políticas, tanto do ponto de vista do conteúdo, como dos recursos financeiros destinados a essas políticas. A implantação dos direitos é muito díspar e com contradições entre os países”, afirmou Del Popolo.

Na América Latina existem cerca de 45 milhões de indígenas distribuídos em 826 grupos étnicos que representam 8,3% da população regional, de aproximadamente 600 milhões de pessoas. Mas faltam dados estatísticos de todos os países, que poderiam dar um panorama real da situação em que vivem os povos originários na região.

Segundo Del Popolo, é positivo que “os países comecem a dar visibilidade estatisticamente aos povos indígenas. Temos um pouco mais de informação, antes não tínhamos nada”.

De acordo com os dados dos censos nacionais, o México é o país com maior número de indígenas em termos absolutos, com 17 milhões, seguido do Peru com sete milhões. Quanto àqueles com maior porcentagem de população indígena, em primeiro lugar está a Bolívia, com 62,2% do total de habitantes, seguida de Guatemala (41%), Peru (24%) e México (15,1%).

Para a especialista da Cepal, também é muito positivo que “hoje possamos falar de uma agenda comum dos povos indígenas na América Latina, do ponto de vista das demandas das organizações. Eles demonstram ter uma capacidade de articulação em fóruns regionais e sub-regionais que é admirável”. Envolverde/IPS