Política Pública

Minoria muçulmana sofre atrocidades

Por Tharanga Yakupitiyage, da IPS – 

Nações Unidas, 10/2/2017 – A relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para a situação dos direitos humanos na Birmânia expressou sua preocupação pelas atrocidades cometidas contra a minoria étnica rohingya, bem como pela negativa do governo birmanês em denunciar a violência e a discriminação contra essa comunidade. “Que o governo continue se defendendo quando há persistentes denúncias de graves violações dos direitos humanos, parece cada vez menos crível”, afirmou a relatora, Yanghee Lee, em entrevista coletiva.

A sul-coreana Lee acrescentou que essa reposta “não só é contraproducente como está drenando a esperança que percorria o país” do sudeste asiático, também conhecido como Myanmar. Depois de meio século de ditadura militar, o país celebrou suas primeiras eleições democráticas em 2015, quando Aung San Suu Kyi levou a Liga Nacional para a Democracia a uma vitória majoritária.

Porém, a dirigente política, que ganhou o Nobel da Paz em 1991 por sua resistência ao regime militar, recebeu críticas por não proteger os rohingyas, que seguem a fé muçulmana nesse país majoritariamente budista. O governo nega que os rohingyas sejam cidadãos birmaneses e promulgou políticas discriminatórias, que incluem restrições à sua circulação e sua exclusão da assistência à saúde, o que nos fatos empobreceu a maioria dessa população e os converteu em apátridas.

Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), os rohingyas constituem uma das comunidades mais “excluídas, perseguidas e vulneráveis do mundo”. A violência recrudesceu depois de vários ataques contra postos de controle fronteiriços realizados em outubro, no Estado de Rakhine, o que provocou uma ofensiva militar, que ainda persiste.

Um informe do Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos (OACDH) denuncia casos de violência sexual, execuções extrajudiciais, tortura e desaparecimentos realizados pelas forças militares e policiais desde então. Uma testemunha ocular contou ao OACDH que os militares bateram em seus avós, os amarraram a uma árvore e colocaram fogo neles. O órgão da ONU também concluiu que mais da metade das 101 mulheres entrevistadas foram violadas ou sofreram outras formas de violência sexual, inclusive grávidas e pré-adolescentes.

Os ataques “parecem ter sido generalizados e sistemáticos, o que indica a execução de prováveis crimes contra a humanidade”, resume o informe. Aproximadamente 90 mil pessoas fugiram da área desde os ataques. Acredita-se que cerca de 66 mil rohingyas cruzaram a fronteira para o vizinho Bangladesh. Lee explicou que a resposta que teve do governo sobre a ofensiva militar foi que aconteceu “como uma resposta de segurança”.

Embora as autoridades devam responder aos ataques contra os postos fronteiriços, a relatora acrescentou que essa ação deve acatar plenamente o estado de direito e os direitos humanos. “Vi as estruturas queimadas na aldeia atacada de Wa Peik, e é difícil para mim acreditar que sejam consequência de ações feitas de forma apressada ou ao acaso”, testemunhou Lee.

Refugiados rohingyas da Birmânia. Foto: IPS

 

A OACDH constatou que centenas de casas, aldeias e mesquitas rohingyas foram alvo de incêndios intencionais. Uma testemunha viu que só as casas de budistas ficaram intactas em sua aldeia. A organização de direitos humanos Human Rights Watch (HRW) calcula que pelo menos 1.500 construções foram destruídas, o que obrigou os rohingyas a abandonar suas moradias.

O governo nega as acusações e assegurou à relatora que foram os aldeões que queimaram suas próprias casas a fim de que os atores internacionais os ajudassem a construir casas melhores. As autoridades também disseram que isso foi parte de uma campanha de propaganda do rohingyas para difamar os serviços de segurança do país.

“Parece, para mim, bastante inacreditável que essas pessoas desesperadas estejam dispostas a queimar suas casas, ficar sem teto, potencialmente deslocadas, só para manchar a imagem do governo”, opinou Lee. “Devo recordar novamente que esses ataques tiveram lugar no contexto de décadas de discriminação sistemática e institucionalizada contra a população rohingya”, destacou.

Os que conseguiram fugir enfrentam outros problemas nas nações onde se encontram. Bangladesh é um dos principais receptores, mas, devido à pressão demográfica e seus problemas de segurança, esse país de 160 milhões de habitantes tenta limitar a entrada de refugiados.

Segundo a Anistia Internacional, as autoridades de Bangladesh negaram asilo aos refugiados rohingyas, e detiveram e repatriaram centenas deles. O governo bengalês também havia proposto trasladar os refugiados para uma ilha. “Não podemos simplesmente abrir as portas a pessoas que chegam em ondas”, declarou a primeira-ministra de Bangladesh, Sheikh Hasina.

A crise atual provocou o pedido de grupos e líderes internacionais de medidas que incluam o acesso humanitário sem restrições ao Estado de Rakhine. Embora o governo tenha anunciado a criação de uma comissão que investigará a situação nesse Estado, a HRW também exortou a Birmânia a convidar a ONU para ajudar em uma investigação imparcial. “Bloquear o acesso e um exame imparcial da situação não ajudará as pessoas que estão em grave risco”, ressaltou o diretor da HRW para a Ásia, Brad Adams.

Em dezembro, o primeiro-ministro da Malásia, Najib Razak, também pediu aos seus vizinhos asiáticos e à comunidade internacional que abordassem a crise. “O mundo não pode ficar sentado e ver como acontece um genocídio”, enfatizou Razak, reclamando da violência contra a minoria rohingya. “Devemos defendê-los, não só por serem da mesma religião, mas porque são seres humanos, suas vidas têm valor”, ressaltou.

Além de aceitar a ajuda de atores internacionais, Lee exortou o governo birmanês a “convocar todas as comunidades a serem mais abertas e compreensivas umas com as outras, se respeitarem mutuamente, em lugar de pegar outros como bode expiatório para promover seus próprios interesses. Estou pronta para ajudar Myanmar a seguir um caminho mais livre e democrático”, concluiu.

A relatora apresentará, em março, seu informe definitivo sobre sua visita à Birmânia ao Conselho de Direitos Humanos da ONU. Envolverde/IPS