Sociedade

Jornalistas premiados por seu valor e coragem

Por Tharanga Yakupitiyage, da IPS – 

Nova York, Estados Unidos, 1/12/2016 – As crescentes ameaças que pairam sobre os jornalistas, e que fazem de sua profissão uma das mais perigosas do mundo, dão maior significado aos êxitos obtidos pelos ganhadores do Prêmio Internacional à Liberdade de Imprensa 2016. O Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) homenageou quatro jornalistas, de El Salvador, Índia, Turquia e Egito, por seu valor e sua coragem, em cerimônia realizada no dia 21 de novembro para celebrar a 26ª edição do prêmio.

Christine Amanpour, vencedora do Prêmio à Memória de Burton Benjamin, com os premiados pelo Comitê para a Proteção dos Jornalistas, Malini Subramaniam, Óscar Martínez e Can Dündar, na cerimônia de entrega do Prêmio Internacional à Liberdade de Imprensa, realizada no dia 21 de novembro em Nova York. Foto: Barbara Nitke/CPJ
Christine Amanpour, vencedora do Prêmio à Memória de Burton Benjamin, com os premiados pelo Comitê para a Proteção dos Jornalistas, Malini Subramaniam, Óscar Martínez e Can Dündar, na cerimônia de entrega do Prêmio Internacional à Liberdade de Imprensa, realizada no dia 21 de novembro em Nova York. Foto: Barbara Nitke/CPJ

 

“Os premiados são repórteres realmente extraordinários, que realizaram seu trabalho sabendo que corriam um risco real”, pontuou Sandra Mims Rowe, presidente da diretoria do CPJ. “É esperançoso ver tanta tenacidade e saber que mesmo sob condições extremamente perigosas os jornalistas sempre encontrarão uma forma de realizar seu trabalho”, afirmou.

Segundo o CPJ, 1.220 jornalistas foram assassinados desde 1992, a maioria com total impunidade. Além disso, somente no ano passado quase 200 profissionais foram detidos enquanto realizavam seu trabalho.

Can Dündar, editor-chefe do jornal turco Cumhuriyet e um dos premiados, foi detido em novembro de 2015 e condenado a seis anos de prisão por publicar uma matéria sobre os planos dos serviços de inteligência da Turquia para enviar armas a grupos rebeldes da Síria. Em conversa com a IPS, o jornalista – preso por revelar segredos de Estado, espionagem e ajudar um grupo terrorista – destacou a importância da liberdade de imprensa.

“Temos o direito de escrever e as pessoas têm o direito de saber. Não defendemos apenas uma profissão, mas o direito da população de estar informada. Esse prêmio é como uma mensagem ao mundo de que conhecem nossa luta”, opinou Dündar.

No Índice de Liberdade de Imprensa, a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) situou a Turquia em 151º lugar, entre 180 países. Em particular, desde a posse do presidente Recep Tayyip Erdoğan, em 2014 foram abertos mais de 1.800 processos contra jornalistas e caricaturistas por insulto ao mandatário. E, desde a tentativa de golpe de Estado de julho, aprofundaram-se as duras medidas contra a imprensa, pois o governo se amparou no estado de emergência e nas leis antiterroristas para fechar mais de cem agências de notícias e deter cerca de 120 jornalistas.

Outro premiado, Óscar Martínez, jornalista de investigação de El Salvador, também realçou a importância dos meios de comunicação. “Só em países onde a imprensa pode exercer livremente o direito à informação é possível iluminar os escuros rincões da sociedade que, de outra maneira, permaneceriam na sombra”, apontou à IPS.

Um esses rincões é a violência atual que prevalece em El Salvador. Esse país é o mais violento do mundo sem estar em guerra, com mais de 6.500 homicídios registrados apenas em 2015. Após denunciar um assassinato extrajudicial por parte da polícia, Martínez recebeu ameaças de morte e teve que abandonar seu país por um tempo. O prêmio ajuda a destacar a liberdade de imprensa, mas Martínez afirmou que os governos devem garantir e dar proteção real aos jornalistas.

Por sua vez, a indiana Malini Subramaniam também informou sobre os abusos da polícia e os assassinatos extrajudiciais no chamado Corredor Vermelho na Índia, onde maoístas enfrentam as forças regulares há cinco décadas. Segundo contou à IPS, quando trabalhou no Estado indiano de Chhattisgarh, primeiro em projetos de desenvolvimento e depois como jornalista, viu indígenas, conhecidos nesse país como adivasis, ficarem presos no fogo cruzado, sem serviços nem formas de denunciar a situação.

“Essas histórias não vinham à luz; me dei conta de que deveriam ser contadas”, ressaltou Subramaniam, e assim o fez, sem se importar com os perigos que isso implicava. A cobertura de abusos de direitos humanos levou-a a diversos interrogatórios policiais e episódios de assédio, que terminaram por obrigá-la a abandonar o distrito de Bastar, em Chhattisgarh.

Ela é apenas uma dos muitos profissionais em perigo na região. Segundo o CPJ, pelo menos quatro jornalistas estão detidos nesse Estado do centro da Índia e outros, incluindo um correspondente da rádio e televisão britânica BBC, tiveram que deixar essa área por medo das represálias. “De alguma maneira, este prêmio amplificará a situação em Bastar no que diz respeito à cobertura jornalística, o que ocorre com os jornalistas nessa região e enviará uma mensagem ao governo da Índia para que desperte”, enfatizou Subramaniam.

Outro premiado é o repórter fotográfico egípcio Mahmoud Abou Zeid, na prisão desde agosto de 2013. Conhecido com Shawkan, ele foi detido quando cobria os enfrentamentos entre as forças de segurança e os partidários do deposto presidente Mohamad Morsi, por posse de armas de fogo, reunião ilegal e assassinato. O Egito é o segundo país onde mais jornalistas são presos, superado apenas pela China, segundoo  CPJ. Na cerimônia de premiação realizada em Nova York, Shawkan foi representado por seu amigo de infância Ahmed Abu Seif.

“Ainda há ocasiões em que acordo e espero que alguém me diga que é apenas um sonho”, contou Seif à IPS, acrescentando que lhe doía o fato de o próprio Shawkan não poder estar presente para receber o prêmio. “Esse prêmio significa muito para reconhecer um jornalista atrás das grades. Também é um sinal para o governo do Egito, de que mesmo que não o reconheçam como jornalista, nós o fazemos”, acrescentou.

A luta pela liberdade de imprensa não se restringe a países com governos autoritários como Egito e Turquia, mas é um problema importante também nos Estados Unidos. Ao receber o Prêmio em Memória de Burton Benjamin, Christiane Amanpour denunciou os perigos que vão pairar sobre os jornalistas norte-americanos durante o governo de Donald Trump.

“Nem em um milhão de anos teria pensado que subiria no palco para defender a liberdade e segurança dos jornalistas norte-americanos em casa”, observou Amanpour aos presentes, ao mencionar um Twitter de Trump em que diz que “manifestantes profissionais” foram “incitados pelos meios de comunicação”. Em especial, ela se referiu aos problemas que a imprensa enfrentou durante a campanha presidencial nos Estados Unidos para tentar equilibrar neutralidade e verdade.

“Aprendi há muito tempo, quando cobria o genocídio e a limpeza étnica na Bósnia, a nunca equiparar a vítima com o agressor, a nunca criar uma falsa moral ou equivalência fática, porque nesses casos você se converte em cúmplice das consequências e dos delitos mais indescritíveis”, ressaltou Amanpour.

“Creio na honestidade, não na neutralidade, e creio que devemos deixar de banalizar a verdade”, acrescentou Amanpour, lembrando que a mídia pode contribuir para um sistema mais funcional ou para aprofundar a disfunção política. “Este é, acima de tudo, um chamado para proteção do próprio jornalismo, temos que nos levantar todos juntos, porque divididos cairemos todos”, concluiu. Envolverde/IPS