Internacional

Violência contra jornalistas ocorre em toda parte

A Rádio Bundelkhand, do centro da Índia, tem aproximadamente 250 mil ouvintes, dos quais 99% são agricultores. Foto: Stella Paul/IPS
A Rádio Bundelkhand, do centro da Índia, tem aproximadamente 250 mil ouvintes, dos quais 99% são agricultores. Foto: Stella Paul/IPS

Novo livro que documenta os abusos e assédios cotidianos que sofrem as repórteres no exercício de sua profissão.

Por Tharanga Yakupitiyage, da IPS – 

Nova York, Estados Unidos, 2/5/2016 – Para as jornalistas, a violência e a intimidação não são apenas problemas que ocorrem em zonas de conflito, mas sim uma experiência cotidiana em todas as partes do mundo, que impede seu correto desempenho profissional e atenta contra a liberdade de expressão.“Já não é preciso estar em zona de conflito para que ataquem”, lamentou Kim Barker, jornalista do diário The New York Times, autora de The Taliban Shuffle: Strange Days in Afghanistan and Pakistan (A Confusão Talibã: Dias Estranhos no Afeganistão e no Paquistão).

Barker fez a declaração durante o lançamento de um novo livro que documenta os abusos e assédios cotidianos que sofrem as repórteres no exercício de sua profissão. Quando escreveu um editorial no qual contou sua experiência de assédio sexual no terreno, uma pessoa fez comentário na internet chamando-a de “gorda” e “pouco atraente” e disse que “ninguém queria violentá-la”, relatou.

O Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ), com sede em Nova York, decidiu focar a edição desse ano, de sua série Ataques Contra a Imprensa,no assédio baseado em questões de gênero, violência sexual e agressão física que as jornalistas sofrem,pelas consequênciasdesse tema para a liberdade de imprensa.

“Em sociedades onde as mulheres têm que lutar para ter o controle sobre seus próprios corpos, precisam lutar para reafirmar seus direitos no espaço público, ser uma jornalista é quase uma forma de ativismo”, destacou a repórter de televisão egípcia Rawya Rageh, no lançamento do livro.A maior parte do abuso ocorre na internet, onde os agressores se escondem atrás do anonimato no espaço para comentários.

Segundo o Centro de Pesquisa Pew, 40% dos usuários da internet sofreram algum tipo de assédio nesse espaço. Os homens também sofrem agressões, mas o abuso contra as mulheres tende a ser mais severo, inclusive o assédio sexual e as ameaças de violência.Por exemplo, uma jornalista informou à Fundação Internacional de Meios de Comunicação de Mulheres (IWMF) que um usuárioaameaçou de“caçar sua carne humana”.

Alessandria Masi, correspondente do International Business Times no Oriente Médio, recordou os comentários que recebeu por um ensaio num livro do CPJ: “fui agredida pelo Exército Eletrônico Sírio, por escrever um artigo criticando o presidente Bashar al Assad, com a pergunta sobre com quantas pessoas tive que manter relações sexuais para que o publicassem”.O abuso na internet é um sintoma do arraigado sexismo que está generalizado, segundo muitas das participantes.

A professora de direito da Universidade de Maryland e autora de Hate Crimes in Cyberspace(Crimes de Ódio no Ciberespaço), Danielle Keats Citron, pontuou que o assédio por questões de gênero “reforça os estereótipos de gênero”, que vê os homens como dominantes no âmbito do trabalho, enquanto as mulheres são objetos sexuais que não têm lugar nos espaços da internet.

Mas as ameaças não ficam apenas na internet e também se manifestam no mundo real. A subeditora do jornal colombiano El Tiempo, Jineth Bedoya Lima, foi sequestrada e violada em 2000 após denunciar uma rede clandestina de tráfico de armas no país. Em 2012,depois de escrever sobre os perigos da mutilação genital feminina, a jornalista liberiana Mae Azongoprecisou passar à clandestinidade com sua filha de nove anos, porque recebeu ameaças de morte, dissendoinclusive que a agarrariam e a cortariam se não “se calasse”.

Um ano depois, a jornalista líbia Jawlija al-Amami recebeu um tiro feito por um homem que se aproximou de seu automóvel. Ela sobreviveu e depois recebeu uma mensagem de texto ameaçando-a de morte se não “deixasse o jornalismo”. O CPJ apontou que jornalistas lésbicas, gays, bissexuais e transgênero (LGBT) sofrem perigos semelhantes. Este ano, Xulhaz Mannan, editor de uma revista sobre questões LGBT de Bangladesh, foi atacado até a morte em sua própria casa.

Entretanto, muitas vítimas de assédio e abusos não denunciam as agressões. “Era como um desses segredinhossujos, dos quais não se fala porque é preciso fingir que se é mais uma entre os homens”, observou Barker, e se referiu ao caso de Lara Logan como um dos pontos de inflexão.

Enquanto cobria a revolta no Egito para a rede de televisão norte-americana CBS, durante a Primavera Árabe, em fevereiro de 2011, Logan foi atacada e violada por um grupo de homens. Durante uma entrevista para o programa de televisão 60 minutos, relatou como foi separada de seus companheiros, tiraram sua roupa, bateram nela com paus e a violaram.Perguntada por que decidira falar publicamente, afirmou que queria quebrar o silêncio “sobre algo que todas experimentamos, mas nunca falamos”.

Uma das razões pelas quais muitos e muitas jornalistas não denunciam é porque temem não poder continuar trabalhando por causa de sua orientação sexual ou de gênero.“É uma armadilha”, indicou Rageh aos participantes.“Não quero reforçar essa ideia de que quem sou ou o que sou limitará minha capacidade para cobrir um fato, mas naturalmente há um assunto a ser discutido”, enfatizou.

A vice-presidente do CPJ e editora executiva da agência de notícias Associated Press (AP), Kathleen Carroll, recordou que há tempos a ameaça da violência sexual mantém as mulheres fora do jornalismo. Mas há formas de fazer frente às ameaças que não implicam sua exclusão. É preciso proporcionar às jornalistas, e também aos jornalistas, boas ferramentas e capacitação, ressaltou. A IWMF criou uma formação em segurança com um perfil de gênero específico, para preparar as mulheres para ambientes hostis. Isso incluiu cenários de dramatização, avaliação de riscos e planos de comunicação.

Também são necessários líderes efetivos, informados e compreensivos nas agências de notícias, para ajudar o pessoal a minimizar os riscos, argumentou Carroll. Os participantes do painel concordaram com a urgência de uma reforma pela necessidade de mulheres no terreno. “Quanto mais mulheres estiverem cobrindo essas histórias, mais se falará delas”, opinou Barker.

Em um artigo, Lima refletiu sobre a importância da voz feminina: “Nossas palavras, nossas letras, nossa vontade podem prevenir a vulneração da liberdade de expressão, a violação de mais mulheres e que se silencie os que são a voz de outros. Nossas palavras podem avivar uma luta ou sepultar para sempre a mudança”. Envolverde/IPS

*Este artigo faz parte de uma série elaborada pela IPS por ocasião da celebração do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, em 3 de maio