Internacional

Uma quimera em meio à ampla cooperação entre China e Brasil

O primeiro-ministro da China, Li Keqiang, e a presidente Dilma Rousseff no ato de assinatura dos acordos com os quais o governante asiático encerrou sua visita de dois dias a Brasília, na terça-feira, dia 19. Foto: EBC
O primeiro-ministro da China, Li Keqiang, e a presidente Dilma Rousseff no ato de assinatura dos acordos com os quais o governante asiático encerrou sua visita de dois dias a Brasília, na terça-feira, dia 19. Foto: EBC

Por Mario Osava, da IPS – 

Rio de Janeiro, Brasil, 21/5/2015 – Foram 35 os acordos e contratos assinados durante a visita do primeiro-ministro da China, Li Keqiang, ao Brasil, mas somente um projeto chama a atenção na ampla aproximação entre os dois países.

Trata-se da Ferrovia Transcontinental, com previsão de mais de cinco mil quilômetros entre o porto de Açu, 300 quilômetros a nordeste do Rio de Janeiro, e um porto peruano, não mencionado, e que será objeto de estudos de viabilidade, segundo o memorando de entendimento assinado entre Brasil, China e Peru.

“É uma loucura”, afirmou Newton Rabello de Castro, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro especializado em transporte. “A barreira andina de quatro mil metros” e os altos custos tornam inviável de antemão o projeto, afirmou à IPS. “As ferrovias não gostam de topografia muito acidentada, todos as que foram construídas nos Andes foram desativadas e também não prosperou o trem-bala entre Rio de Janeiro e São Paulo por causa de seus custos absurdos”, explicou o engenheiro doutorado pelo Instituto Tecnológico de Massachusetts.

Pelas mesmas razões tampouco se concretizaram outros traçados propostos para unir os oceanos Atlântico e Pacífico, incluindo os que cruzam áreas de maior densidade econômica como as do Cone Sul americano, onde bastaria completar a ferrovias já existentes, disse Rabello.

Outros acordos assinados pela presidente Dilma Rousseff e Li, ou alguns dos 120 empresários que acompanharam o primeiro-ministro chinês, são mais concretos e oportunos para o governo brasileiro, que enfrenta um ajuste fiscal e carece de recursos para impulsionar obras necessárias de infraestrutura e reativar a paralisada economia.

A soma de investimentos chineses nos projetos acordados chega a US$ 53 bilhões, uma cifra propagada por Brasília sem confirmação chinesa nem contas detalhadas, ao compreender iniciativas em diferentes etapas, algumas ainda em fase de proposta, como a ferrovia interoceânica, e outras sujeitas a licitações.

Mas a participação de empresas e capitais chineses permitirá destravar muitas obras de infraestrutura atrasadas ou mesmo paralisadas, como estradas de ferro para a exportação da soja produzida nas regiões centro-oeste e nordeste do Brasil. Para isso haverá um fundo de US$ 50 bilhões, que será criado pelo Banco Industrial e Comercial da China (ICBC) e a Caixa Econômica Federal (CEF).

A indústria será prioritária em outro fundo, o Fundo Bilateral de Cooperação Produtiva, de caráter governamental. A China aportará entre US$ 20 bilhões e US$ 30 bilhões e o Brasil decidirá posteriormente sua cota. A industrialização da América Latina é um objetivo da cooperação chinesa, afirmou Li em Brasília, em resposta às queixas contra o intercâmbio assimétrico, com as exportações latino-americanas limitadas quase exclusivamente a matérias-primas.

A visita ao Brasil foi a primeira parte de uma viagem que é a estreia latino-americana do primeiro-ministro chinês e prosseguirá até o próximo dia 26 por Colômbia, Peru e Chile.

Parte do porto Ponta da Madeira, no nordeste, de onde saem os navios carregados com minério de ferro para a China, e que irá se conectar com as minas de ferro através de uma nova ferrovia. Foto: Mario Osava/IPS
Parte do porto Ponta da Madeira, no nordeste, de onde saem os navios carregados com minério de ferro para a China, e que irá se conectar com as minas de ferro através de uma nova ferrovia. Foto: Mario Osava/IPS

Os acordos assinados em Brasília para a cooperação financeira acentuam a criticada assimetria. Bancos chineses concederam novos créditos, no valor de US$ 7 bilhões, à Petrobras, que se somam a empréstimos anteriores que garantem o fornecimento de petróleo para a China.

Outra beneficiada é a mineradora Vale, incluída em uma linha de crédito de US$ 4 bilhões para compra de navios destinados ao transporte de 400 mil toneladas de minério de ferro.

Petróleo e ferro concentram cerca de 80% das exportações brasileiras para a China. Por isso o interesse de Pequim em melhorar a infraestrutura de transporte brasileira, dessa forma reduzirá os custos das exportações, além de ocupar a capacidade ociosa das construtoras chinesas, agora que diminuiu a demanda em seu mercado interno.

Outro aspecto abre o mercado chinês para a carne bovina em pé do Brasil. Uma exceção industrial nas exportações brasileiras é da aeronáutica. A venda de 22 aviões da Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer) para uma companhia da China foi concretizada durante essa visita. Um acordo prévio estabelece a venda de 60 unidades no total.

O comércio bilateral alcançou US$ 77,916 bilhões em 2014, com superávit brasileiro, embora em queda pela redução dos preços dos produtos básicos. A meta é elevar rapidamente o intercâmbio a US$ 100 bilhões, segundo o primeiro-ministro chinês.

Esse aumento das relações, especialmente dos investimentos chineses, “pode ser positivo para o Brasil, mas é preciso controlar o entusiasmo com essa aproximação”, afirmou Luis Afonso Lima, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e Globalização Econômica. “Os chineses têm mais a ganhar do que nós nesse processo. Buscam fornecedores de matérias-primas em toda a América Latina, mas sem urgência porque sua economia desacelerou, podem pensar estrategicamente a longo prazo”, afirmou o economista à IPS.

“Com mais experiência acumulada em sua cultura milenar, eles sabem o que querem, buscam mais poder global e as alianças com países emergentes de outras regiões, como o Brasil, ampliam sua influência”, acrescentou Lima. Com quase US$ 4 trilhões em reservas internacionais, podem financiar o desenvolvimento de qualquer país.

Segundo Lima, uma frustração já ocorreu quando o Brasil reconheceu a China como uma economia de mercado em 2004, oferecendo-lhe, assim, melhores condições comerciais. A contrapartida não cumprida deveria ser de investimentos industriais de US$ 10 bilhões.

Outra decepção foi a promessa de instalar no Brasil uma fábrica de US$ 13 bilhões da empresa chinesa Foxconn, para produzir componentes eletrônicos. O investimento não atingiu um décimo da quantia anunciada em 2011.

O momento atual, porém, permite maior complementaridade econômica entre os dois países, favorecendo um melhor equilíbrio no intercâmbio bilateral. “A China deixou de priorizar as exportações e estimula seu consumo interno, enquanto o Brasil vive um momento oposto, com redução da demanda doméstica e maior esforço exportador, abrindo a possibilidade de sinergia entre ambos países”, afirmou Lima.

Porém, acrescentou o economista, aproveitar a oportunidade exige que se tenha objetivos claros, “planejamento de longo prazo, com prioridades definidas e as reformas adequadas, com investimentos produtivos em manufaturas, mas o governo brasileiro parece perdido”. A Ferrovia Transcontinental é projeto para “priorizar exportações de soja e minérios” para a Ásia, principalmente a China, concluiu Lima.

Para Rabello de Castro, “historicamente a ferrovia produziu uma grande redução de custos no transporte terrestre, substituindo animais e carroças. Caiu de seis para um, inclusive mais em alguns casos, e isso ficou no imaginário das pessoas que ainda acreditam no trem como a solução, ignorando seus custos atuais”.

Em consequência, no Brasil se constrói várias ferrovias paralelas dirigidas ao centro do país, com uma produção agrícola em alta, especialmente da soja. Onde havia uma só via precária para a exportação agora se quer oferecer três ou quatro alternativas e acrescentar outras ao excesso, como a bi-oceânica, disse Lima. Envolverde/IPS