Internacional

Um trabalhador imigrante fala por muitos

Três em cada quatro trabalhadores de Bangladesh residentes na Itália atuam no setor terciário e 23,3% estão empregados no setor de hotelaria e restaurantes. Foto: SimbaShaniKamaria Rousseau/IPS
Três em cada quatro trabalhadores de Bangladesh residentes na Itália atuam no setor terciário e 23,3% estão empregados no setor de hotelaria e restaurantes. Foto: SimbaShaniKamaria Rousseau/IPS

Por Francesco Farnè, da IPS – 

Roma, Itália, 5/2/2016 – “Nos primeiros meses que passei na Itália, sempre rezei para que chovesse. Passava horas olhando a previsão do tempo”, contou Roni, um universitário de 26 anos de uma família de renda média de Bangladesh. De pai funcionário público e mãe dona de casa, Roni teve que vender guarda-chuva nas ruas de Roma por mais de um ano, antes de encontrar trabalho de verão junto ao mar em uma cafeteria.

O rapaz disse à IPS que em 2012 abandonou seu país, como muitos outros bengaleses, em busca de melhores oportunidades na Europa. “Era impossível conseguir emprego em Bangladesh, apesar de universitário. Tinha ouvido que muitos amigos e parentes fizeram uma fortuna na Itália e queria ser como eles”, acrescentou.

Segundo cálculos do Instituto Nacional de Estatísticas, em 2015 havia mais de 138 mil bengaleses morando legalmente na Itália, aumento de 9% em comparação com 2014. E 75,6% deles estavam empregados no setor de serviços. Além disso, mais de 20 mil bengaleses foram registrados como proprietários de empresas em 2013, segundo o informe anual sobre a presença de imigrantes A Comunidade Bengalesa, do Ministério de Trabalho e Política Social italiano.

O processo de obtenção de visto é muito complexo. “Há dois tipos de vistos, um para os trabalhadores agrícolas e outro para os demais. O primeiro é bastante fácil de conseguir e custa menos, cerca de oito mil euros, enquanto o segundo, o que consegui, exige um patrocinador residente na Itália e o custo passa de 12 mil euros”, contou Roni.

“Paguei ao meu patrocinador diretamente e ele completou toda a documentação necessária. Uma vez que obtive a nullahosta (autorização), pude solicitar o visto na embaixada da Itália em Bangladesh”, continuou o rapaz. “Tive sorte porque os documentos demoraram apenas três meses. Muitas pessoas têm de esperar muito mais tempo e pagar a dois ou três intermediários para se conectar com um patrocinador”, acrescentou.

Conseguir apoio da comunidade de bengaleses é difícil. “Ninguém me ajudou na busca por emprego, nem me deram indicação alguma sobre onde comprar guarda-chuvas para vender, nem me ajudou com o idioma, já que não falava italiano. Meu patrocinador só me ajudou a encontrar um lugar para dormir – um quarto dividido com nove estranhos que paguei por minha conta – e isso foi tudo”, lamentou Roni.

Após 18 meses de procura, o rapaz encontrou trabalho em um restaurante e está contente. Além disso, tem um contrato que lhe permitirá renovar sua autorização de residência. Roni ganha mais de mil euros por mês, suficiente para enviar entre 400 e 600 para sua família em Bangladesh. As remessas são parte de sua “missão” na Itália já que, desde que seu pai se aposentou, sua família usa o dinheiro para pagar o aluguel e a subsistência em geral.

Depois da China, Bangladesh é o segundo país de destino das remessas procedentes da Itália, que chegaram a 346,1 milhões de euros em 2013, ou 7,9% do total de remessas, segundo o informe anual do Ministério de Trabalho e Política Social.

Embora por contrato Roni tenha jornada de seis horas de trabalho, na realidade faz dez ou mais pelo mesmo salário, e os dias de licença ou doença não contam como dias trabalhados, explicou. Ele afirmou que recebe menos do que outros trabalhadores. Ainda que as condições de emprego de Roni pareçam melhores do que as de outros imigrantes, seu empregador não cumpre muitos dos direitos trabalhistas em matéria de retribuições, licença por doença e horas de trabalho semanal, que constam de numerosas diretrizes estabelecidas pela Comissão Europeia.

“Mas isso não tem a ver apenas com chefes maus que exploram os imigrantes”, opinou Roni. “Nós, como trabalhadores imigrantes temos que lutar por nossos direitos e deixar de aceitar essas condições humilhantes. Acredito que as políticas do governo para proteger os trabalhadores são boas”, acrescentou.“Não é questão de políticas, mas da forma como são implantadas para garantir o respeito às leis. De fato, depois que funcionários do governo fizeram uma inspeção onde trabalho, fomos imediatamente contratados e ganhamos acesso formal a medidas básicas de segurança e proteção social”, concluiu, com um chamado ao seu próprio povo.

“Nos ajudemos entre nós e juntemos nossos pontos fortes. Não nos esqueçamos de ajudar os recém-chegados, porque isso nos dará frutos. Eu mesmo ajudei dois cidadãos bengaleses dando-lhes abrigo em casa e pagando seu aluguel. Eles me devolverão logo que conseguirem emprego. A solidariedade leva a uma situação em que todos ganham e é a única maneira de melhorar nossa condição”, pontuou Roni.

O rapaz é apenas um dos inúmeros rostos que representam a crise migratória na Itália. Os mais fracos sofrem as piores consequências, desde a perspectiva das políticas de Estado, e não há dúvida de que uma estratégia integrada da União Europeia será a única maneira eficaz de enfrentar a questão.Isto é especialmente certo quando se trata de garantir a aplicação e o cumprimento das leis trabalhistas, de seguridade social e os direitos humanos.

Em nível nacional e local, as instituições italianas e as organizações não governamentais têm um papel fundamental a desempenhar. Devem criar consciência e melhorar a compreensão desses temas.Os trabalhadores devem ser conscientes de seus “direitos trabalhistas e de emprego, direitos sociais e de bem-estar, e onde buscar ajuda”, afirmaa Organização Internacional do Trabalho em sua publicação A Proteção dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes: Uma Responsabilidade Compartilhada.

Tudo isso pode ajudar significativamente a gerar mudanças legislativas necessárias no setor do trabalho, para garantir que os direitos dos migrantes sejam protegidos. Por fim, as instituições italianas e a sociedade civil devem exigir controles mais rígidos por parte das autoridades para garantir que as leis existentes sejam cumpridas, conforme sugeriu Roni. Envolverde/IPS