Internacional

Seca leva o lucro obtido com o mel

O agricultor e apicultor zimbabuense Nyovane Ndlovu mostra vidros de mel produzidos com sua própria marca. Foto: Busani Bafana/IPS
O agricultor e apicultor zimbabuense Nyovane Ndlovu mostra vidros de mel produzidos com sua própria marca. Foto: Busani Bafana/IPS

Por Busani Bafana, da IPS – 

Bulawayo, Zimbábue, 17/6/2016 – O mel “é tudo”, afirmou Nyovane Ndlovu, se referindo ao fato de a apicultura ser uma fonte alternativa de “dinheiro doce” nas zonas do Zimbábue golpeadas pela seca, esse ano agravada pelo fenômeno El Niño, que atualmente cede um pouco.A seca, a pior em 30 anos, causou a perda de muitos cultivos e a morte de muitos animais em diferentes partes desse país e da África austral, onde mais de 28 milhões de pessoas necessitarão de assistência alimentar este ano.

Mais de quatro milhões de pessoas precisam de assistência no Zimbábue, que lançou um chamado internacional para reunir US$ 1,6 bilhão para cobrir suas necessidades de grãos e outros alimentos.Ndlovu, de 57 anos e morador do distrito de Lupane, uma região árida e propensa a secas e fome, é um dos cada vez mais numerosos heróis do mel, que recorre aos recursos florestais para enfrentar as variações do clima e completar sua renda agrícola.

Mas nem mesmo a apicultura se salvou da última seca, e muitos agricultores que dependem do mel para chegar ao final do mês se queixam das grandes perdas deste ano. “O mel é meu alimento e meus filhos gostam muito porque sabem que quando colho não passam fome”, contou Ndlovu, que aprendeu o ofício há mais de dez anos.A apicultura, à qual se dedicam mais de 16 mil agricultores no Zimbábue, costuma ser um complemento dos cultivos de milho e outros grãos. Na temporada passada, Ndlovu colheu uma tonelada de milho e meia de sorgo, muito pouco, mesmo para um ano seco.

“Mesmo com seca consigo algo do campo, especialmente pequenos grãos, mas a temporada passada foi terrível para muitos agricultores”, contou Ndlovu, que ganhou uma carreta e um arado ao ficar em primeiro lugar na competição agrária em 2012. “Me dediquei à apicultura quando me dei conta dos benefícios que deixa. A renda com a venda de mel me permitiu pagar os estudos dos meus filhos e cobrir necessidades do lar. Ganhou mais com o mel do que com outros cultivos”, afirmou o produtor.

No distrito de Lupane, 172 quilômetros a noroeste de Bulawayo, a segundo cidade do Zimbábue, vivem mais de 90 mil pessoas, muitas dependendo de limitados cultivos e da criação extensiva de gado. Além disso, é onde fica a estatal floresta de madeira dura, à qual as comunidades recorrem em busca de combustível e alimento.

Ndlovu tem mais de 20 colmeias “tapa de barra” e duas Langstroth, consideradas a melhor tecnologia para a apicultura, porque oferecem melhor produção e qualidade do mel. Em boa temporada, ele ganha mais de US$ 500 com a venda de mel. Inclusive tem sua própria marca, Maguswini Honey, que pretende comercializar tão logo seu produto receba uma marca padrão. Um frasco de 375 mililitros de mel custa US$ 4 no povoado e US$ 5 quando entregue em Bulawayo ou mais distante.

Em 2015, Ndlovu e seus vizinhos, integrantes da Bumbanani, uma associação de apicultores com 30 membros, venderam US$ 900 de mel durante a Feira de Comércio Internacional do Zimbábue, uma mostra de três dias realizada todos os anos em Bulawayo. Este ano não chegaram nem à metade, devido à má colheita em virtude da seca.

“No ano passado, colhi três baldes de 25 litros de mel, e este ano nem mesmo um. O clima mudou e as abelhas tiveram menos flores para se alimentar, houve menos água e as colmeias não tiveram muito mel”, explicou Ndlovu à IPS.

Por sua vez, Nqobani Sibanda, um agricultor de Gomoza, colheu este ano um balde de 20 litros, bem abaixo dos 60 litros de 2015. “Este ano, as flores murcharam antes; pensamos que as abelhas não tiveram alimento suficiente e por isso a colheita de mel foi pobre. Tenho quatro colmeias e cada uma pode proporcionar até 20 litros em uma boa temporada, permitindo que eu ganhe US$ 300 ou mais, mas não este ano”, indicou.

O pesquisador do Instituto de Estudos de Desenvolvimento da Universidade Nacional de Ciência e Tecnologia, Everson Ndlovu, disse à IPS que os projetos geradores de renda, como a apicultura, são uma forma fácil para os agricultores conseguirem renda adicional em época de má, ou nenhuma, colheita; são iniciativas que podem ser melhoradas em empresas comerciais viáveis.

“É necessário mais capacitação em gestão de negócios, vincular os pequenos empreendimentos ao mercado e fazer com que as associações sejam registradas como correspondente para ter capacidade de incidir”, pontuou o pesquisador.“As consequências da seca obrigaram os agricultores a diversificarem a estratégia para gerar renda, mas precisam de informação sobre o clima de forma oportuna e compreensível para tomarem boas decisões”, explicou.

O mel é comercializado em todo o mundo, e as vendas de mel natural chegaram a US$ 2,3 bilhõesno ano passado, segundo o site World Top Exports, que tem um registro das exportações. A Europa encabeçou a lista com 35,2% das vendas, enquanto a África registrou 0,4%.

As abelhas, que oferecem mel, própolis, geleia real e cera, entre outros produtos, contribuem para melhorar a segurança alimentar de aproximadamente dois bilhões de agricultores no mundo, sem custo algum, concluiu um estudo de fevereiro deste ano, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).A agência pediu a proteção de abelhas e insetos que desempenham um papel vital na polinização para contribuir de forma sustentável no sentido de aumentar o fornecimento de alimentos. Mas a mudança climática afeta as colônias de abelhas em todo o mundo.

Os agricultores sofreram a seca e a apicultura não foi exceção, como prova o pouco mel que colheram este ano em comparação com o anterior em Lupane, uma zona árida, afirmou Clifford Maunze, instrutor em apicultura e oficial do projeto Ambiente África, dentro do Programa Forças Florestais, com apoio da FAO.“Capacitamos agricultores e ensinamos a enfrentar os efeitos da seca plantando mais árvores como Moringa oleifera (acácia branca), que floresce o tempo todo, e promovemos o desenvolvimento de hortas domésticas, que podem ter árvores cítricas para oferecer alimento às abelhas”, explicou.

O Ambiente África, que trabalha com o Departamento de Serviços de Extensão Agrícola (Agritex), capacitouem apicultura 1.382 agricultores em Lupane, e mais de 800 no distrito de Hwange, dentro do programa que começou em 2011. Lupane foi escolhida para projetos de apicultura por sua floresta indígena, algumas delas em perigo devido ao avanço da agricultura, aos incêndios florestais e ao desmatamento.

Nas regiões mais secas, como a província de Matabeleland Norte, os apicultores podem colher até duas vezes por temporada e, com até cinco colmeias, podem obter cem litros de mel. Isso pode aumentar em zonas com mais chuvas e fontes de néctar, e onde os apicultores podem colher até quatro vezes por temporada.

Dados da agência nacional de estatística Zimstats e da Agritex mostram que o Zimbábue produz mais de 427 toneladas de mel por ano, diante de uma demanda de 447 toneladas. O déficit de 20 toneladas é coberto com importação, uma realidade que os apicultores como Ndlovu buscam mudar com investimento no setor.O Zimbábue busca aumentar sua produção de mel para 500 mil litros até 2018, segundo a Zim-Asset, a estratégia nacional para recuperar a economia do país, que atravessa uma crise de liquidez. Envolverde/IPS