Internacional

Recorde de mortes de ambientalistas em 2015

A ativista e indígena ashéninka Diana Rios (centro), da aldeia amazônica de Saweto, no Peru, é filha do ativista Jorge Rios, assassinado por madeireiros ilegais em setembro de 2014. Foto: LyndalRowlands/IPS
A ativista e indígena ashéninka Diana Rios (centro), da aldeia amazônica de Saweto, no Peru, é filha do ativista Jorge Rios, assassinado por madeireiros ilegais em setembro de 2014. Foto: LyndalRowlands/IPS

Os assassinatos de 185 defensores do ambiente em 16 países converteram 2015 no pior da história pelo número de ambientalistas que perderam a vida no mundo, segundo o último informe da organização Global Witness.

Por Tharanga Yakupitiyage, da IPS – 

Nova York, Estados Unidos, 23/6/2016 –  Os assassinatos do ano passado, registrados no documento No Terreno Perigoso, representam 59% a mais do que os registrados em 2014.

“O ambiente se converte no novo cenário onde se defende os direitos humanos”, apontou à IPS Billy Kyte,responsável pela campanha para defensores da terra e do ambiente da Global Witness. “Muitos ativistas são tratados como se fossem inimigos do Estado, quando deveriam ser tratados como heróis”, acrescentou.

O aumento no número de ataques se deveu, em parte, ao crescimento da demanda por recursos naturais, que aviva os conflitos entre moradores de zonas ricas e afastadas e indústrias como as de mineração e de madeira, bem como a agroindústria. Uma das regiões mais perigosas para os ambientalistas é a América do Sul, onde ocorreram 60% dos assassinatos de 2015.

No Brasil perderam a vida 50 defensores do ambiente, o maior número de vítimas registrado nesse ano no mundo.A maioria dos assassinatos em território brasileiro ocorreu nos Estados da Amazônia, de grande diversidade biológica e onde a intrusão de fazendas, plantações agrícolas e o desmatamento ilegal propiciaram o aumento da violência. O informe diz que grupos criminosos “aterrorizam” as comunidades locais, enviados pelas “companhias madeireiras e funcionários corruptos”.

O último assassinato foi de Antônio Isídio Pereira da Silva. Este líder de uma pequena comunidade agrícola do Maranhão sofreu várias tentativas de assassinato e recebeu ameaças de morte por defender sua terra do desmatamento ilegal, e de outras pessoas que queriam se apropriar de terras. Apesar das denúncias, nunca recebeu proteção e a polícia não investigou sua morte.

As comunidades indígenas, que dependem da selva para viver, suportam a maior parte da violência. Quase 40% dos ambientalistas assassinados pertenciam a algum povo originário. Eusébio Ka’apor, integrante do povo ka’apor no Maranhão, foi morto a tiros por dois homens encapuçados que estavam em uma motocicleta. As razões de sua morte: patrulhar e impedir o corte ilegal de árvores em suas terras ancestrais.

Outro líder desse povo disse à organização de direitos humanos indígenas SurvivalInternational, que os madeireiros lhes disseram que seria melhor entregar a madeira do que deixar “que mais gente morresse”. “Não sabemos o que fazer, porque não temos proteção. O Estado nada faz”, lamentou.

Milhares de acampamentos foram montados na Amazônia para o corte ilegal e extração de madeira valiosa como mogno, ébano e teca (ótima para construção naval). Estima-se que 80% da madeira brasileira é ilegal e representa 25% da que circula ilegalmente nos mercados do mundo, a maioria vendida nos Estados Unidos, Grã-Bretanha e China.

“Os assassinatos que ficam impunes nas aldeias de difícil acesso ou na selva profunda aumentam a pressão das opções dos consumidores na outra ponta do mundo”, destacouKyte, que também denunciou uma “crescente conivência” entre os interesses corporativos e estatais e um alto nível de corrupção como responsáveis pelos ataques contra defensores do ambiente.

Um reflexo disso é o atual caso de corrupção envolvendo o megaprojeto da hidrelétrica de Belo Monte, que seguiu adiante apesar dos alertas por suas consequências sobre o ambiente e as comunidades locais, que, além do mais, foi usada para gerar US$ 40 milhões para os partidos políticos. Mesmo diante da possibilidade de um escândalo público, a legislação ambiental no Brasil continuou enfraquecendo, pontuouKyte.

O governo de Michel Temer propôs uma emenda que reduz o processo de concessão de licenças ambientais para infraestrutura e desenvolvimento de megaprojetos a fim de recuperar a atribulada economia do país. Atualmente o Brasil tem um processo com três etapas e em cada uma delas pode-se interromper um projeto por motivos ambientais.

Mas a emenda, conhecida como PEC 65, propõe que as companhias só enviem uma declaração de impacto ambiental preliminar. Uma vez cumprida essa fase, os projetos não poderão atrasar nem serem cancelados por motivos ambientais.

A debilidade de importantes instituições de direitos humanos também representa uma ameaça para o ambiente e seus defensores. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) atravessa um grave déficit financeiro que poderá levar à perda de 40% de seu pessoal até o final de julho, com sérias consequências para o prosseguimento de seu trabalho.

De fato, a CIDH já suspendeu as visitas aos países e poderá ser obrigada a interromper suas investigações. Muitos países da América Latina deixaram de contribuir para a comissão por discordância com suas investigações e suas conclusões.

Em 2011, a CIDH solicitou ao Brasil “a imediata suspensão da licença” para o projeto de Belo Monte,para consultar e proteger grupos indígenas. A resposta do governo brasileiro foi romper seus vínculos com a Comissão,retirando sua contribuição econômica e chamando seu embaixador na Organização de Estados Americanos (OEA), no âmbito da qual funciona a comissão.

“Quando a CIDH anuncia que precisa cortar 40% de seu pessoal e quando os Estados já se retiraram da Corte Interamericana, temos realmente uma comunidade internacional?”, perguntou em maio o alto comissário das Organização das Nações Unidas (ONU) para os Direitos Humanos, ZeidRa’ad Al Hussein, no Conselho de Direitos Humanos.

“Existe quando se retira os fios que a formam e o tecido – nosso mundo – se desfaz? Ou são apenas comunidades fragmentadas com interesses comuns, estratégicos e comerciais operando nos bastidores com fingida adesão às leis e às instituições?”, insistiu ZeidRa’ad. Ele também pediu aos Estados que defendam e apoiem economicamente a CIDH, “uma sócia estratégica e uma inspiração para todo o sistema da ONU”.

A Global Witness pediu urgência ao governo do Brasil e também aos da América Latina no sentido de proteger os ambientalistas, investigar os crimes cometidos contra eles, expor os interesses corporativos e políticos por trás de sua perseguição e reconhecer formalmente os direitos dos indígenas.

Segundo Kyte, existe, em particular, a necessidade de investigações internacionais que exponham os assassinatos de ambientalistas e apontem os responsáveis, e ressaltou o caso de Berta Cáceres, a indígena ambientalista de Honduras cujo homicídio atraiu a atenção internacional e gerou indignação em todo o mundo.

Em março, Cáceres, que se opunha à hidrelétrica Água Zarca, foi assassinada em sua casa por dois homens do exército hondurenho. Uma pessoa denunciou que a ambientalista constava de uma lista negra entregue a unidades do exército de Honduras e treinadas pelos Estados Unidos. Envolverde/IPS