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Povo mayangna e sua floresta podem desaparecer

Efetivos do batalhão militar especial para cuidar das florestas da Nicarágua apreendem um carregamento ilegal de madeira na Reserva da Biosfera de Bosawas. Foto: José Garth Medina/IPS
Efetivos do batalhão militar especial para cuidar das florestas da Nicarágua apreendem um carregamento ilegal de madeira na Reserva da Biosfera de Bosawas. Foto: José Garth Medina/IPS

Manágua, Nicarágua, 16 de junho de 2014 (Terramérica).- Mais de 30 mil integrantes do milenar povo mayangna estão em perigo de desaparecer junto com a selva que lhes serve de lar na Nicarágua, caso o Estado não adote ações imediatas para deter a destruição da Reserva da Biosfera Bosawas, a maior área florestal da América Central e a terceira do mundo.

Aricio Genaro, presidente da nação indígena mayangna, percorreu mais de 300 quilômetros desde sua comunidade, assentada na periferia da reserva, para denunciar, em maio, em Manágua, que o habitat que serve de lar a esse povo há séculos está sendo invadido e destruído por mestiços oriundos da costa do Oceano Pacífico e do centro do país.

No começo deste mês Genaro voltou à capital para participar de várias atividades acadêmicas voltadas à conscientização ambiental entre universitários de Manágua e denunciar a quem quisesse ouvir que seu território ancestral está sendo destruído por camponeses decididos a estender a fronteira agrícola, invadindo a área protegida de 2,1 milhões de hectares de superfície total.

O chefe mayangna contou ao Terramérica que, em 1987, a zona núcleo da atual Reserva da Biosfera tinha uma extensão de 1.170.210 hectares de florestas virgens e uma população estimada em menos de sete mil indígenas. Em 1997, quando foi declarada Patrimônio da Humanidade e Reserva da Biosfera, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a reserva contava com mais de dois milhões de hectares de espécies florestais e florestas tropicais úmidas, tanto em sua área de amortização como na zona núcleo.

Em 2010, com uma população de aproximadamente 25 mil pessoas, a floresta sofrera redução de até 832.237 hectares, segundo Genaro. A presença de camponeses mestiços em seus domínios era calculada em cinco mil colonos em 1990 e em mais de 40 mil em 2013. “Estão queimando tudo para plantar, derrubam florestas para colocar vacas, arrasam as grandes árvores para vender a madeira, disparam nos animais e secam os rios para fazer caminhos”, denunciou Genaro ao Terramérica.

Antonia Gámez, chefe mayangna de 66 anos, também deixou sua comunidade para dar seu testemunho nas cidades do Pacífico sobre a situação em que se encontra Bosawas, cujo nome é composto pelas primeiras sílabas de seus principais limites: rio Bocay, montanha Salaya e rio Waspuk.

“Antes, nossas famílias viviam do que a natureza proporcionava, a floresta é nossa casa e nosso pai, nos dá comida, água e teto. Agora, os mais jovens buscam trabalho nas novas fazendas instaladas onde antes era a floresta, e os mais velhos já não têm para onde ir, porque estão acabando com tudo”, contou ao Terramérica em sua língua, com ajuda de um tradutor.

Antonia recordou que na floresta eles plantavam seus grãos e frutos, caçavam com flechas o necessário para comer e havia abundância de caranguejos nos rios, javalis, tapires, pavões, galinhas, pescado e veados. “Agora, os animais se foram. Com cada ruído de disparo ou montanha destruída, ou morreram ou se vão selva adentro. E não restam muitos para caçar”, denunciou durante sua visita a Manágua.

Em parte da reserva também habitam miskitos, do povo originário mais numeroso do país, onde os grupos originários têm por lei direito de propriedade e usufruto coletivos sobre as terras onde vivem.

A denúncia dos indígenas foi corroborada ao Terramérica tanto por atores sociais independentes quanto por autoridades estatais.

A antropóloga Esther Melba McLean, do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Costa Atlântica da Bluefields Indian and Caribbean University, dirigiu estudos que alertam que, se não for freada a invasão mestiça e a destruição da floresta, tanto os mayangnas como as espécies animais e vegetais de Bosawas poderão desaparecer em duas décadas.

“A destruição da floresta implicaria mais do que o final de uma etnia: o fim do local onde está 10% da biodiversidade do mundo”, apontou McLean ao Terramérica. Ali é o habitat de espécies endêmicas como as salamandras da selva e de saslaya, o gavião-real-falso ou o gavião-de-penacho, que integram a lista de fauna em extinção de organizações ambientais locais, que também indicam que há muitas espécies ainda sem registro.

Segundo a Cooperação Alemã na Nicarágua (GIZ), entre 2005 e 2010 avançou-se 40 quilômetros em direção à zona núcleo de Bosawas. De acordo com o ambientalista Jaime Incer, assessor da Presidência para assuntos ambientais, se continuar o avanço da destruição do território indígena, “em menos de 25 anos a floresta terá desaparecido”.

Um estudo publicado em 2012 por GIZ, União Nacional de Agricultores e Pecuaristas, União Europeia e a organização humanitária Oxfam, alertava que “seriam necessários 24,4 anos para não ter florestas em Bosawas e 13,3 anos para não dispor de zona de amortização na Reserva”, caso continuasse o ritmo de depredação.

Incer afirmou ao Terramérica que devido à denúncia dos indígenas e o apoio dos ambientalistas, o governo do presidente Daniel Ortega, no poder desde 2007, começou a executar ações contra a depredação, “mas que não são suficientes”. Ortega determinou a criação de um batalhão militar com mais de 700 efetivos para custodiar as florestas e reservas do país. Também organizou uma comissão de autoridades nacionais para coordenar ações e aplicar uma política de “mão dura” contra pessoas e organizações depredadoras do ambiente.

No dia 10, Alberto Mercado, coordenador técnico da Bosawas do Ministério do Ambiente e os Recursos Naturais, disse na Universidade Centro-Americana de Manágua que o governo realiza ações para deter o avanço da destruição na reserva. E acrescentou que foram retiradas dezenas de famílias mestiças da zona núcleo da reserva e foram julgadas as pessoas que se dedicavam a traficar com terras na reserva.

Mercado contou que dezenas de advogados foram investigados e suspensos por permitirem transações com as propriedades indígenas e que impediu-se o tráfico de fauna e flora. “Mas a luta é gigante. O traficante identifica os pontos cegos e é por onde incursiona no território indígena, invade, diz que é seu e a partir disso começa o tráfico de terra”, admitiu o funcionário.

A denúncia dos indígenas chegou aos fóruns internacionais de direitos humanos. O não governamental Centro Nicaraguense de Direitos Humanos também levou a denúncia à Organização de Estados Americanos (OEA) e ao seu secretário-geral, José Manuel Insulza.

Vilma Núñez, diretora do Centro, confirmou ao Terramérica que denunciou a situação dos mayangnas no dia 4, durante a 44ª Assembleia Geral da OEA, dedicada ao tema Desenvolvimento com Inclusão Social, realizada em Assunção entre os dias 3 e 5 deste mês. “O Estado, seu governo, deve garantir o direito dos mayangnas e de todos os indígenas do país de viverem em seus próprios territórios e defendê-los do extermínio”, ressaltou. Envolverde/Terramérica

* O autor é correspondente da IPS.

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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação apoiado pelo Banco Mundial Latin America and Caribbean, realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.