Internacional

Potências ignoram proibição à venda de armas

momumentoarmasPor Thalif Deen, da IPS – 

Nações Unidas, 24/8/2016 – Os grandes fornecedores de armamento violam o tratado que regula seu comércio e que pretende frear o fluxo de armas pequenas e leves para zonas em guerra e países com regimes repressores, conforme denunciam organizações de direitos humanos e analistas militares.As guerras civis e os conflitos atuais no Iraque, Líbia, Afeganistão, Síria, Iêmen, Sudão do Sul e Ucrânia se agravam pelos milhões de dólares destinados ao fornecimento de armas, a maior parte por países que assinaram ou ratificaram o Tratado sobre Comércio de Armas (TCA), que entrou em vigor em dezembro de 2014.

“O tratado é incrivelmente importante”, destacou à IPS Natalie Goldring, consultora da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Instituto Acrônimo para a Diplomacia do Desarmamento e integrante do Programa de Estudos de Segurança da Universidade de Georgetown, nos Estados Unido. “Para dizer de forma simples, se for implantado em sua totalidade, tem o potencial de salvar vidas”, acrescentou. Mas, sem uma boa implementação, corre-se o risco de continuarem a inércia e as violações ao direito humanitário internacional e aos direitos humanos, apontou.

“As últimas vendas de armas e as propostas pelos Estados parte e signatários podem chegar a prejudicar o TCA”, afirmou Goldring, que estuda os 20 anos de negociações do Tratado, adotado pela Assembleia Geral da ONU em abril de 2013.

As denúncias de violações coincidem com as reuniões,esta semana,da segunda Conferência dos Estados Parte, que começaram no dia 22, em Genebra, e terminarão no dia 26. Organizações como Anistia Internacional, Human Rights Watch, Controle de Armas, Forumon Arms Trade, entre outras, documentaram a contínua transferência de armas convencionais, que poderiam ser usadas para violar o direito humanitário internacional e os direitos humanos.

O diretor de controle de armas e direitos humanos da Anistia, Brian Wood, disse que o TCA pode salvar milhões de vidas e, por isso, gera alarme o fato de os Estados que assinaram e até ratificaram o Tratado acreditarem que podem continuar fornecendo armas a forças conhecidas por cometerem e facilitarem crimes de guerra, bem como emitir autorizações de exportação mesmo quando há enormes riscos de as armas participarem de graves violações dos direitos humanos.

“Tem que haver tolerância zero para os Estados que pensam poder assinar o TCA da boca para fora”, ressaltou Wood. É óbvia a necessidade de se conseguir uma implantação efetiva, “do Iêmen, passando por Síria até o Sudão do Sul,todos os dias crianças morrem ou ficam mutiladas, há civis que sofrem ameaças e são detidos à ponta de pistola e grupos armados que cometem abusos com armas fabricadas em países que estão obrigados pelo Tratado”, acrescentou.

Ao fornecer uma lista de “transferências inescrupulosas de armas”, a Anistia apontou os Estados Unidos, que assinaram o TCA, a União Europeia, que o ratificou, e incluiu Bulgária, República Checa, França e Itália, por continuarem fornecendo armas pequenas e leves, munições, veículos blindados e equipamento policial ao Egito, “apesar da brutalidade com que reprimem a oposição e que levou ao assassinato de centenas de manifestantes, a milhares de detenções e a denúncias de torturas contra detidos desde 2013.

Em 2014, a França concedeu uma licença de exportação que incluiu novamente os sofisticados veículos blindados Sherpa, utilizados apenas um ano antes pelas forças de segurança egípcias para assassinar centenas de manifestantes na praça Rabaa al-Adawiya, no Cairo. As armas fornecidas por países signatários do TCA continuaram avivando sangrentas guerras civis, denunciou a Anistia.

Nesse mesmo ano, a Ucrânia aprovou a exportação de 830 metralhadoras leves e 62 pesadas para o Sudão do Sul, acrescentou a organização. Seis meses depois de assinar o Tratado,as autoridades ucranianas emitiram, em 19 de março de 2015, uma licença de exportação para o Sudão do Sul com um número não revelado de helicópteros artilhados e de ataque Mi-24 operacionais. Três deles são usados atualmente pelas forças governamentais desse país, e ao que parece esperam por nova remessa.

Além disso, em março de 2015, o Departamento de Estado norte-americano aprovou a possível venda de equipamentos e apoio logístico à Arábia Saudita, no valor de US$ 24 bilhões, e, entre essa data e junho deste ano, a Grã-Bretanha fez o mesmo no valor de US$ 3,4 bilhões. “Essas aprovações coincidiram com um momento em que a coalizão encabeçada pelos sauditas no Iêmen realizava ataques aéreos e terrestres indiscriminados e desproporcionais contra populações civis, sendo que alguns podem constituir crimes de guerra”, diz um comunicado divulgado pela Anistia esta semana.

Jeff Abramson, do Forumonthe Arms Trade, disse que as reuniões de Genebra coincidem com a controvérsia gerada pela transferência e pelo uso responsáveis das armas convencionais. Entre as questões que podem ser discutidas em Genebra, seja de maneira informal ou formal, destacam-se a promoção da transparência no comércio de armas e em seu fornecimento à Arábia Saudita à luz da catástrofe humanitária causada no Iêmen, incluídas as últimas notificações dos Estados Unidos sobre a possível venda de tanques aos sauditas, enfatizou a organização.

Por sua vez, Goldring pontuou à IPS que há pouco Washington propôs vender 153 tanques Abrams M1A2 para a Arábia Saudita. “A resposta do governo norte-americano ao suposto bombardeio de objetivos civis pelos sauditas é vender-lhes mais armas?”, questionou. “Não tem sentido. Isso faz parte do padrão de contínua transferência de armas apesar dos riscos de serem utilizadas para violar direitos humanos e o direito humanitário internacional”, acrescentou.

Os países sem um forte sistema de controle de suas exportações declararam que levará tempo implantar totalmente o TCA, enquanto outros, como os Estados Unidos, têm inconvenientes internos para ratificar o tratado.Entretanto, uma das fortalezas do texto são as especificações das condições sob as quais se deve frear a transferência de armas, explicou Goldring. Os países não têm motivo para esperar a ratificação ou seu acesso ao tratado para começar a implantá-las. “O TCA é um tratado novo, mas não podemos nos permitir adotá-lo lentamente. Enquanto o discutimos, vidas são perdidas em todo o mundo. Precisamos ser rígidos em sua implantação desde o início”, insistiu.

Outro assunto importante, segundo Goldring, é que a venda de armas seja transparente para a sociedade compreender os compromissos que seus governos assumem em seu nome. “Os governos não deveriam transferir as armas, a menos que estivessem dispostos a serem responsáveis por elas. Sua posição contra a abertura e a transparência gera dúvidas sobre o que tentam esconder”, ressaltou.

Mas, definitivamente, embora a transparência seja importante para a discussão desses temas, o assunto central é se essas transferências são controladas. As últimas vendas geram dúvidas importantes a respeito, explicou Goldring, acrescentando que “a Conferência dos Estados Parte é uma oportunidade fundamental para enfrentar essas questões”.“Para fortalecer o TCA, a Conferência deve se concentrar nessa preocupação crucial e substancial dos riscos de se manter a inércia. Os Estados não devem de distrair dos processos”, ressaltou Goldring, que se encontra em Genebra. Envolverde/IPS