Internacional

México, onde o Estado desaparece com civis

 Uma das múltiplas manifestações de familiares de vítimas de desaparecimento forçado, que chegam à capital do México cobrando do governo a busca por seus parentes e o esclarecimento dos casos. Foto: Diana Cariboni/IPS

Uma das múltiplas manifestações de familiares de vítimas de desaparecimento forçado, que chegam à capital do México cobrando do governo a busca por seus parentes e o esclarecimento dos casos. Foto: Diana Cariboni/IPS

Por Daniela Pastrana, da IPS – 

Cidade do México, México, 29/8/2016 – “Avise meu pai que me detiveram aqui”, disse Maximiliano Gordillo Martínez ao seu companheiro de viagem, no dia 7 de maio, na estação migratória de Chablé, no Estado mexicano de Tabasco. Foi a última vez que foi visto com vida e a última notícia que seus pais têm dele.Gordillo, de 19 anos, e seu amigo haviam deixado sua comunidade no Estado de Chiapas para procurar trabalho na turística cidade de Playadel Carmen, no Estado de Quintana Roo.

Era um trajeto de mil quilômetros por rodovia para deixar para trás a zona indígena do segundo Estado mais pobre do país.Mas na metade do caminho foram detidos por agentes do Instituto Nacional de Migração, que retiveram Maximiliano por considerá-lo guatemalteco, apesar de o jovem do povo originário tzeltal ter apresentado sua documentação comprovando ser cidadão mexicano.Quando seu companheiro de viagem quis intervir, foi ameaçado pelos agentes. Disseram que o acusariam de ser traficante de migrantes.

O rapaz, cujo nome não foi citado, foi embora apavorado e ao chegar ao seu destino se comunicou com Arturo Gordillo, pai de Maximiliano.Passaram-se mais de três meses e os pais de Max – como é chamado pela família – não deixam de procurá-lo. No dia 22 deste mês, chegaram à Cidade do México, apoiados por organizações defensoras dos direitos humanos, para denunciar o desaparecimento forçado do mais velho de seus cinco filhos.

Nunca antes haviam ido tão longe de Tzinil, uma comunidade tzeltal do município de Socoltenango, que, segundo dados oficiais, tem quatro em cada dez de seus habitantes em condições de pobreza extrema e o restante é pobre.“Nosso sentimento pelo desaparecimento de meu filho é muito duro. Tenho que denunciar porque é grande a dor e não quero que outro pai passe por isso, que tenha de ser humilhado e ofendido assim pelo governo”, afirmou à IPS.

“O Instituto ignora, seu coração é duro”, insistiu Gordillo, se referindo às autoridades migratórias mexicanas. Ao seu lado, sua mulher, Antonia Martínez, não para de chorar. O caso de Maximiliano se soma aos de outros 150 civis chiapanecos desaparecidos em território mexicano em rotas migratórias internas, declarou à IPS o porta-voz da organização Vozes Mesoamericanas, Enrique Vidal.

Antonia Martínez, afetada pelo desaparecimento forçado de seu filho Maximiliano Gordillo, de 19 anos, enquanto seu tio, Natalio Gordillo, conta à IPS detalhes do caso. Os pais e outros familiares chegaram à Cidade do México vindos da distante comunidade de Tzinil, do povo indígena tzeltal, para pedir ao governo que lhes devolva o jovem, do qual não têm noticia desde 7 de maio. Foto: Daniela Pastrana/IPS
Antonia Martínez, afetada pelo desaparecimento forçado de seu filho Maximiliano Gordillo, de 19 anos, enquanto seu tio, Natalio Gordillo, conta à IPS detalhes do caso. Os pais e outros familiares chegaram à Cidade do México vindos da distante comunidade de Tzinil, do povo indígena tzeltal, para pedir ao governo que lhes devolva o jovem, do qual não têm noticia desde 7 de maio. Foto: Daniela Pastrana/IPS

E a esses somam-se milhares de migrantes centro-americanos que desapareceram no México na última década e que, segundo denúncias de defensores de migrantes, muitos teriam sido entregues por funcionários e policiais a grupos criminosos para serem empregados forçados dentro de suas organizações. O único dado oficial para se aproximar do problema é um informe da estatal Comissão Nacional de Direitos Humanos, que registrou 21 mil sequestros de pessoas migrantes em 2011.

E tampouco se trata de um problema apenas de pessoas migrantes. No México, o desaparecimento forçado é uma prática “generalizada e sistemática”, conclui o informe Atrocidades Inegáveis, elaborado pela fundação internacional Open Society Justice Initiative, em colaboração com cinco organizações mexicanas de direitos humanos. O estudo documenta graves violações dos direitos humanos cometidas no México entre 2006 e 2015, e afirma que são crimes que devem ser considerados de lesa humanidade, por sua natureza sistemática ou generalizada contra a população civil.

São desaparecimentos cometidos por autoridades militares, federais e estatais, uma prática difícil de entender em uma democracia, insistem ativistas humanitários locais e internacionais. “Um único desaparecimento forçado ou por motivos políticos, em qualquer país, teria que colocar em dúvida se efetivamente existe um Estado de Direito. Não se pode falar de uma democracia com vítimas de desaparecimento forçado”, afirmou Héctor Cerezo, responsável pela documentação de desaparecimentos forçados do Comitê Cerezo México.

Este comitê é a organização mais sólida na documentação de desaparecimentos forçados, sejam por motivos políticos ou não. No dia 24 deste mês, apresentou o informe Defender os Direitos Humanos no México: A Normalização da Repressão Política, que documenta 11 casos de desaparecimentos forçados de defensores dos direitos humanos, entre junho de 2015 e maio de 2016.

“Ao ser ampliado, o uso do desaparecimento forçado também funciona como mecanismo de controle social e mudança de rotas migratórias, de recrutamento forçado de jovens e mulheres, e de deslocamento forçado exercido em regiões específicas contra toda a população”, afirma o documento. Cerezo assegurou à IPS que, no México, o desaparecimento forçado “deixou de ser mecanismo de repressão política para ser uma política de Estado que quer gerar terror na população”.

No mesmo sentido que as organizações da sociedade civil, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pediu ao México, em março, que reconheça a “gravidade da crise de direitos humanos que o país enfrenta”. O relatório, que a CIDH apresentou sobre sua visita ao México em 2015, denuncia números “alarmantes” de desaparecimentos involuntários e forçados, com intervenção de agentes do Estado, bem como os altos índices de execuções extrajudiciais, torturas, insegurança social, falta de acesso à justiça e impunidade.

O governo mexicano rejeitou uma e outra vez as denúncias de organismos internacionais. Mas sua negação da gravidade do problema tem poucas consequências. Pelo Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimentos Forçados, celebrado em 30 de agosto, a comunidade internacional – segundo os ativistas ouvidos pela IPS – tem a possibilidade de contornar a crise mexicana e cobrar de um Estado que sistematicamente desaparece com setores da população civil, como documentaram as organizações.

Os cartazes com fotos coletivas de desaparecidos procurados estão se tornando comuns no México, como este em uma igreja de Iguala, no Estado de Guerrero, no sudoeste do país. Foto: Daniela Pastrana/IPS
Os cartazes com fotos coletivas de desaparecidos procurados estão se tornando comuns no México, como este em uma igreja de Iguala, no Estado de Guerrero, no sudoeste do país. Foto: Daniela Pastrana/IPS

Nem tudo é negativo a respeito desse fenômeno dos desaparecimentos forçados, que se contradiz com a democracia desse país de quase 120 milhões de habitantes sem conflito interno. Este ano, familiares ganharam duas importantes batalhas legais, uma delas é uma decisão para que o Exército abra suas instalações para a busca dos militantes do Exército Popular Revolucionário desaparecidos em Oaxaca, embora a sentença ainda não tenha sido cumprida.

Tampouco há avanços na Lei Geral Contra o Desaparecimento Forçado, que é discutida no Congresso. “O último rascunho não atende aos padrões internacionais de desaparecimento forçado nem às necessidades das vítimas, que não têm recursos efetivos para enfrentar o processo judicial do desaparecimento de seus familiares. Não há um acesso real, nem à justiça, nem à reparação, muito menos à não repetição”, pontuou Cerezo.

No mais recente caso público, o de Maximiliano Gordillo, a Procuradoria Especializada em Busca de Pessoas Desaparecidas, do governo federal, se negou a pedir a investigação à sua regional em Tabasco.Por sua vez, a Comissão Nacional dos Direitos Humanos divulgou medidas cautelares para evitar uma recomendação contundente, e o Instituto de Migração rechaça ter retido o jovem, mas se nega a entregar a lista dos funcionários, vídeos e registros de entradas e saídas na barraca de migração onde o rapaz foi visto pela última vez.

O jovem completou 19 anos no dia 22. “Estamos muito tristes sem ele. Celebramos um aniversário amargo, de dor”, explicou seu pai à IPS, antes de anunciar que, a partir do dia 25 deste mês, vai espalhar cartazes procurando seu filho em mais de 60 municípios de Chiapas. Enquanto os dias passam sem que as investigações avancem, o indígena vai de órgão em órgão com um pedido: “Se vocês, irmãos, irmãs, podem falar ao governo, peçam que devolva meu filho, porque estão com ele, eles o levaram”. Envolverde/IPS

*Este artigo é parte da cobertura da IPS por ocasião do Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimentos Forçados, celebrado em 30 de agosto.