Internacional

Luta conta o terrorismo ataca liberdades civis

Jornalistas do semanário Sunday Mail são levados ao tribunal no Zimbábue. Na foto, da esquerda para a direita, estão Tinashe Farawo, Brian Chitemba e Mabasa Sasa. Foto: Jeffrey Moyo/IPS
Jornalistas do semanário Sunday Mail são levados ao tribunal no Zimbábue. Na foto, da esquerda para a direita, estão Tinashe Farawo, Brian Chitemba e Mabasa Sasa. Foto: Jeffrey Moyo/IPS

por Busani Bafana, da IPS –

Harare, Zimbábue, 10/11/2016 – Há quatro anos, um escritor sem rosto que se dizia chamar Baba Jukwa pôs fogo no Facebook ao expor detalhes de maquinações e intrigas dentro da governante União Nacional Africana do Zimbábue (Zanu-PF). Com mais de 400 mil “amigos” nessa rede social, Jukwa sacudiu o ambiente em matéria de liberdade de expressão nesse conservador país da África austral. O enigmático personagem, que se pensava fosse um espião dentro da Zanu-PF, permanece no anonimato e nunca foi preso.

Atualmente, o governo, com antecedentes de intolerância com a dissidência, não brinca com as redes sociais depois de Baba Jukwa e redige um projeto de lei para perseguir o crime cibernético e o terrorismo. Mas os jornalistas temem que sufoque mais as poucas liberdades de imprensa e de expressão que restam. Se o projeto for aprovado, a Lei contra o Crime por Computador e Cibernético vai frear de imediato os “abusadores das redes sociais”, a julgar pelas declarações de governo, polícia e Exército.

O comandante do Exército Nacional do Zimbábue, tenente-general Valerio Sibanda, afirmou, ao jornal oficial Herald, que sua força treina oficiais para enfrentar a “guerra cibernética, na qual as armas, a tecnologia da informação e da comunicação, são usadas para mobilizar pessoas e causar dano”.

Por sua vez, o ministro de Serviços de Radiodifusão e Meios de Informação, Chris Mushowe, afirmou que “o projeto não pretende matar a liberdade de expressão, não procura silenciar a população, mas aponta para nossa união a outras nações na luta contra a ameaça do terrorismo”. Em agosto, após uma reunião com a embaixadora britânica, Catriona Laing, Mushowe declarou que “não queremos que passe informação pelo Zimbábue ou que esteja aqui e ameace a segurança nacional de outros países”.

A organização defensora da mídia Freedom House, com sede em Washington, em seu informe deste ano situa o Zimbábue, junto com Bangladesh, Turquia, Burundi, França, Sérvia, Iêmen, Egito e Macedônia, como os países onde mais se perdeu a liberdade de expressão em 2015. A informação se tornou a moeda da expressão pessoal. As redes sociais, especialmente Facebook e WhatsApp, oferecem à sociedade uma plataforma para reunir e compartilhar informação, ventilar as adversidades cotidianas e até organizar ações públicas contra uma situação econômica e política em decadência.

O editor do semanário Zimbabwe Independent, Dumisani Muleya, apontou que a vida neste mundo globalizado e dependente da tecnologia apresenta dois grandes desafios para os governos: combater o terrorismo e proteger as liberdades nacionais. Se for aprovado, o projeto “não deverá ser usado como ferramenta para espionar a sociedade de forma indevida, nem para reforçar a imagem do Zimbábue como Estado policial, mas principalmente para proteger os direitos das pessoas”, destacou.

Uma piada sobre o presidente Robert Mugabe, de 92 anos, não é motivo de riso nesse país e pode levar o responsável à justiça e até à prisão. A organização Advogados do Zimbábue pelos Direitos Humanos representou mais de 150 acusados de insultar o presidente desde 2010, sendo que, na maioria dos casos, as acusações foram retiradas.

O presidente do Fórum Nacional de Editores do Zimbábue e ex-presidente do Instituto de Mídia para a África Austral, Njabulo Ncube, advertiu que o projeto de lei anula a liberdade de imprensa. “O futuro é desolador com o que parece ser a proliferação de duras leis contra a mídia e que buscam criminalizar o jornalismo no Zimbábue. O governo teme que as redes sociais sejam usadas como aconteceu nas revoltas da Primavera Árabe”, indicou à IPS.

As autoridades complicaram as coisas ao criarem a impressão de que os ciberterroristas são resultado de mensagens subversivas, incendiárias e sugestivas, compartilhadas nas redes sociais, quando, na realidade, o que fazem é violar normas polêmicas como o Código Penal, a Lei de Interceptação de Comunicações e a Lei de Telecomunicações. “Essa permanente confusão instalada na sociedade sobre o que é ciberterrorismo procura gerar medo e autocensura na hora de se exercer o direito à liberdade de expressão, de acesso a informação e de liberdade de consciência”, explicou Ncube.

Apesar de o governo tentar minimizar sua efetividade, as redes sociais permitiram aos cidadãos erguerem suas vozes para amplificar suas lutas. As medidas repressivas procuram combater os ativistas que reclamam reformas, avaliou o diretor executivo do Conselho de Mídias Voluntárias do Zimbábue, Loughty Dube, também secretário-geral da Associação Mundial de Conselhos de Imprensa.

Em agosto – dois meses depois de uma campanha do pastor Evans Mawawire, que conseguiu mobilizar os trabalhadores para que fizessem uma greve –, foi aprovada a política de Tecnologia da Comunicação e da Informação Nacional, que permite ao governo espionar a sociedade e controlar o ciberespaço, ao colocar todos os portais e infraestrutura de internet sob uma só companhia por ele controlado.

O governo busca debilitar o poder de coesão das redes sociais, dando carta branca às autoridades competentes para espionar a população e até bloquear plataformas, mas, apesar de suas medidas restritivas para dificultar o acesso a elas, as autoridades não podem controlá-las, pontuou o advogado Alex Magaisa.

“Nos espaços físicos, o Estado sempre pode lançar mão da polícia antidistúrbios e usar a força física para dispersar os manifestantes”, escreveu Magaisa em seu blog Big Saturday Read. “Mas não está bem equipado para manejar os usuários das redes sociais. Estas apresentam um novo terreno, sobre o qual não tem controle”, ressaltou.

Para Magaisa, “algumas das razões para impulsionar o projeto, como proteger os menores e prevenir o ódio racial e étnicos, parecem nobres, mas a maioria dos críticos afirma que o verdadeiro motivo que propiciou uma rápida resposta é político. Essa é a causa da resistência, da desconfiança e da suspeita que gera o projeto de lei”. Envolverde/IPS