Internacional

Kofi Annan pede revolução energética na África

Com exceção da África do Sul, que gera metade da eletricidade da região, os 47 países da África subsaariana consomem menos energia elétrica do que a Espanha. Foto: Ed Mckenna/IPS
Com exceção da África do Sul, que gera metade da eletricidade da região, os 47 países da África subsaariana consomem menos energia elétrica do que a Espanha. Foto: Ed Mckenna/IPS

Por Kwame Buist, da IPS – 

Cidade do Cabo, África do Sul, 15/6/2015 – Os governos da África devem iniciar uma revolução energética para aumentar sua produtividade agrícola, melhorar a capacidade de adaptação à mudança climática e contribuir para a redução no longo prazo das emissões contaminantes de dióxido de carbono.

Essa é a mensagem de um novo informe do Painel para o Progresso da África, um comitê integrado por dez personalidades internacionais e presidido pelo ex-secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Kofi Annan (2001-2006), que trabalha pelo desenvolvimento sustentável desse continente.

O informe Poder, Pessoas, Planeta: Aproveitar a Energia da África e As Oportunidades Climáticas defende que a geração de energia no continente se multiplique por dez para que todos os africanos tenham acesso a eletricidade em 2030. Isso reduziria a pobreza e a desigualdade, impulsionaria o crescimento e uma liderança em matéria climática que é escassa no plano internacional.

O documento também exorta os governos africanos, investidores e as instituições financeiras internacionais a redobrarem consideravelmente seus investimentos em energia, para liberar o potencial que tem a África como superpotência mundial em baixo consumo de dióxido de carbono

“Rechaçamos categoricamente a ideia de que a África precisa escolher entre o crescimento e o desenvolvimento com baixo consumo de carvão”, afirmou Annan, natural de Gana. “A África precisa utilizar todos os seus ativos de energia no curto prazo, ao mesmo tempo em que constrói as bases de uma infraestrutura competitiva, com baixo consumo de carbono”, acrescentou.

Mais de 62 milhões de habitantes da África subsaariana não têm acesso a eletricidade, e o número aumenta. Segundo o informe, com exceção da África do Sul, que gera metade da eletricidade da região, os 47 países da África subsaariana consomem menos eletricidade do que a Espanha.

O habitante médio da Tanzânia levaria oito anos para consumir tanta energia elétrica quanto o norte-americano médio consome em apenas um mês. No transcurso de um ano, uma pessoa na Grã-Bretanha, que ferve uma chaleira cheia de água duas vezes por dia, utiliza cinco vezes mais eletricidade do que a consumida por um etíope no mesmo período.

Calcula-se que a escassez de eletricidade reduz o crescimento da região entre 2% e 4% ao ano, o que freia a criação de empregos e o combate à pobreza. A brecha de geração energética existente entre a África e outras regiões é cada vez maior. A Nigéria, por exemplo, é uma potência exportadora de petróleo, mas 95 milhões de seus 177 milhões de habitantes dependem da madeira, do carvão e da palha para obter sua energia.

O informe assegura que as famílias que vivem com menos de US$ 2,5 por dia gastam, coletivamente, US$ 10 bilhões por ano em produtos relacionados com a energia, como carvão, querosene, velas e tochas. As famílias mais pobres da África gastam em iluminação cerca de US$ 10 por quilowatt/hora (kwh), 20 vezes mais do que os mais ricos do continente. Em comparação, o custo médio da eletricidade nos Estados Unidos é de US$ 0,12/kwh e na Grã-Bretanha de US$ 0,15/kwh.

O informe exorta os líderes africanos a iniciarem uma revolução energética que conecte os desconectados e atenda a necessidade de eletricidade de baixo custo e confiável dos consumidores, das empresas e dos investidores.

Nesse sentido, propõe aos governos africanos:

  • utilizar o gás natural da região para exportar e atender a demanda nacional, ao mesmo tempo aproveitando o grande potencial da África em energia renovável ainda sem explorar;
  • erradicar a corrupção, fazer com que a gestão das empresas de energia seja mais transparente, fortalecer as normas vigentes e aumentar o gasto público na infraestrutura energética;
  • canalizar os US$ 21 bilhões empregados para subsidiar serviços públicos deficitários e no consumo de eletricidade, que beneficiam principalmente os ricos, para os subsídios destinados à conexão e ao investimento em energias renováveis que levem eletricidade aos pobres.

O documento também pede que seja reforçada a cooperação internacional para fechar a brecha de financiamento do setor energético africano, estimada em US$ 55 bilhões anuais até 2030, que inclui US$ 35 bilhões para investimentos em estações, transmissão e distribuição da energia, e US$ 20 bilhões pelos custos do acesso universal.

Considera-se necessário um fundo mundial que permita conectar mais 600 milhões de africanos até 2030, e que impulsione o investimento no fornecimento de energia dentro e fora da rede. Doadores e instituições financeiras devem liberar o investimento privado mediante garantias de risco e financiamento da mitigação.

O informe também desafia os governos africanos e seus sócios internacionais a aumentarem o nível de ambição da decisiva COP 21, a anual Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, que acontecerá em Paris em dezembro e deve aprovar um novo tratado climático, universal e vinculante. Com essa finalidade, o documento pede a reforma integral do sistema de financiamento climático, atualmente fragmentado, ineficaz e com recursos insuficientes.

Também exorta o Grupo dos 20 países mais ricos a fixar um calendário para a eliminação gradual de seus subsídios aos combustíveis fósseis, com a proibição dos subsídios para prospecção e produção até 2018. “Muitos governos dos países ricos nos dizem que querem um acordo climático, mas, ao mesmo tempo, subsidiam com milhares de milhões de dólares dos contribuintes a descoberta de novas reservas de carvão, petróleo e gás”, afirmou Annan. “Deveriam tirar o carbono do mercado por meio dos impostos, não subsidiando uma catástrofe climática”, destacou.

Segundo Annan, “ao especular e esperar que outros países atuem primeiro, alguns governos estão jogando pôquer com o planeta e a vida das gerações futuras. Este não é o momento para a prevaricação, o interesse de curto prazo e a ambição limitada, mas para a audaz liderança mundial e a ação decisiva”.

O ex-secretário-geral da ONU acrescentou que “países como Etiópia, Quênia, Ruanda e África do Sul se colocam como principais candidatos na transição mundial para a energia de baixo consumo de carbono”. E ressaltou que a “África está bem posicionada para expandir a geração de energia necessária para impulsionar o crescimento, levar energia a todos e desempenhar um papel de liderança nas negociações sobre a mudança climática”. Envolverde/IPS