Internacional

Israel e Hamas fora da “lista da vergonha”

Um estudante palestino verifica os danos sofridos por uma escola da ONU no acampamento de refugiados de Jabalia, norte do território palestino de Gaza, bombardeada por Israel em 30 de julho de 2014. Foto: Shareef Sarhan/ONU
Um estudante palestino verifica os danos sofridos por uma escola da ONU no acampamento de refugiados de Jabalia, norte do território palestino de Gaza, bombardeada por Israel em 30 de julho de 2014. Foto: Shareef Sarhan/ONU

Por Thalif Deen, da IPS – 

Nações Unidas, 11/6/2015 – O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, decidiu não colocar Israel no anexo de um novo informe sobre crianças que são vítimas de ataques em conflitos armados, aparentemente sob grande pressão dos Estados Unidos e do próprio Estado judeu. E, talvez, em uma tentativa para se mostrar imparcial, também excluiu o palestino Hamas (Movimento de Resistência Islâmica), que enfrentou Israel durante 50 dias em Gaza, em julho e agosto do ano passado.

Toda tentativa sutil de comparar ambos está “longe da verdade”, afirmou à IPS um diplomata árabe. Segundo a ONU, cerca de 557 crianças palestinas contra quatro israelenses morreram durante esse último conflito, enquanto outros 4.249 palestinos e 22 israelenses ficaram feridos.

“É inconcebível que o secretário-geral tenha que ceder à pressão política, e mais ainda quando está de saída”, lamentou o embaixador árabe. “Ban tem pensado em se candidatar a um terceiro mandato?”, perguntou com sarcasmo. Ban Ki-moon encerra seu segundo mandato como secretário-geral em dezembro de 2016, e há rumores de que pretende disputar a Presidência de seu país, a Coreia do Sul.

Nadia Hijab, diretora-executiva da Al Shabaka: Rede Política Palestina, opinou à IPS que está claro que Ban cedeu à pressão dos Estados Unidos e de Israel ao não mencionar este último nem o Hamas na chamada “lista da vergonha”, apesar da reclamação de organizações de direitos humanos como a Human Rights Watch (HRW), com sede em Nova York. O episódio demonstra os limites do enfoque de “ambas as partes” no que se refere ao conflito palestino-israelense, acrescentou.

“Definitivamente, as duas partes violaram o direito internacional em seus ataques indiscriminados contra civis, sendo que Israel causou um dano muito maior à população civil. Mas apenas uma parte ocupa a outra”, pontuou Hijab. É irônico pensar que, se não fosse pela ocupação israelense, o Hamas não existiria, sendo que este movimento palestino surgiu em 1987, após 20 anos de ocupação israelense. “Definitivamente, não haveria lista da vergonha se Israel não ocupasse” o território palestino, ressaltou.

James Paul, que acompanhou a política da ONU durante 19 anos como diretor-executivo do Global Policy Forum, com sede em Nova York, disse à IPS que as políticas e os programas de direitos humanos do fórum mundial muitas vezes foram objeto de pressões e censuras por parte de Estados membros poderosos. Informes sobre Israel ou relacionados com abusos cometidos por esse país foram especialmente alvo desse tipo de pressões por parte de Washington, acrescentou.

Segundo Paul, o último exemplo, o informe Crianças e Conflitos Armados, confirma o lamentável padrão e prejudica a reputação da ONU no atribulado Oriente Médio. Apesar dos abusos de direitos humanos contra menores, de diferentes tipos e bem documentados, parece que o secretário-geral decidiu censurar o rascunho e evitar apuros para Israel, apontou.

“Não é de estranhar que altos comissários de direitos humanos tenham tido mandatos tão curtos, quando todo o setor de direitos humanos da ONU está manchado. Quem pensa na capacidade das Nações Unidas para assumir um papel de liderança nos conflitos do Oriente Médio ou na defesa de meninos e meninas em outras áreas sensíveis?“, questionou Paul. Com sorte, a verdade é conhecida e a censura de Washington já não poderá ocultá-la dos atentos ouvidos das pessoas.

Quando Ban decidiu tirar Israel e o Hamas da lista, ignorou as recomendações de sua representante especial para Infância e Conflitos Armados, a argelina Leila Zerrougui, que incluiu ambos na lista de atores não estatais e organizações rebeldes acusadas de repetidas violações contra menores.

Philippe Bolopion, diretor de promoção de causas da HRW, se mostrou decepcionado com o ato de Ban Ki-moon de revogar a decisão de sua representante legal ao retirar Israel e o Hamas. É um golpe para os esforços da ONU em melhorar a proteção de crianças em conflitos armados, afirmou. “Os fatos e a coerência determinava que ambos estivessem incluídos na lista, mas parece ter prevalecido a pressão política. Esperávamos mais do secretário-geral, que prometeu ‘priorizar os direitos humanos’”, recordou Bolopion.

No próprio corpo do informe, Ban critica as ações israelenses, especialmente durante o ataque de 2014 contra Gaza. “Peço urgentemente a Israel que tome medidas concretas e imediatas para proteger as crianças, inclusive para revisar suas práticas e políticas existentes, evitar que morram e fiquem mutiladas, e respeitar a proteção especial que merecem as escolas e os hospitais”, destacou Ban.

“Uma medida essencial é garantir a prestação de contas dos responsáveis pelas violações. Também exorto Israel a manter um diálogo com minha representante especial e com a ONU, para garantir que não haja recorrência nas graves violações contra menores”, acrescentou o secretário-geral.

O porta-voz da ONU, Stephane Dujarric, foi muito consultado, em uma entrevista coletiva realizada no dia 8, sobre a decisão de Ban de excluir Israel e o Hamas da lista em questão. “Recebeu pressões dos Estados Unidos? Qual é o argumento para manter Israel e o Hamas fora da lista? O anexo tem o mesmo peso que o próprio informe?”, acrescentou.

“Não creio que alguém tenha sido posto ou retirado” da lista, afirmou Dujarric, explicando que o informe é o resultado de um processo de consultas. Obviamente, foi uma decisão difícil. O secretário-geral tomou essa decisão. “Mas o mais importante a assinalar é que o informe que compartilhamos é muito mais do que uma lista”, ressaltou. “É um vasto documento que detalha o tratamento escandaloso que sofrem as crianças e o padecimento de menores que vemos nas zonas de conflito, como o ocorrido em Gaza e em outras partes do Estado da Palestina”, acrescentou.

“Creio que no texto do informe o secretário-geral expressa seu profundo alarme pela generalização de graves violações, sem precedentes e inaceitáveis. Convido a todos a não se concentrarem tanto na lista, mas no documento em sua totalidade. E o informe, como disse, é muito, muito mais do que a lista”, enfatizou Dujarric.

Em resposta às acusações do documento, o embaixador israelense junto à ONU, Ron Prosor, afirmou que Ban tinha razão “em não se submeter aos ditames de organizações terroristas e dos Estados árabes em sua decisão de não incluir Israel na lista, junto com organizações como o EI (Estado Islâmico), a rede extremista Al Qaeda e o movimento islâmico Talibã”.

Mas a ONU ainda tem um longo caminho pela frente, acrescentou Prosor. Em lugar de publicar milhares de informes e listas contra Israel, o fórum mundial deve condenar cabalmente organizações terroristas que operam na Faixa de Gaza”, ressaltou. Envolverde/IPS