Internacional

Expansão de Adis Abeba revolta comunidade

A resposta do governo da Etiópia aos protestos da comunidade oromo incluiu o envio dos agazi, uma força militar de elite, para apoiar a polícia. Foto: James Jeffrey/IPS
A resposta do governo da Etiópia aos protestos da comunidade oromo incluiu o envio dos agazi, uma força militar de elite, para apoiar a polícia. Foto: James Jeffrey/IPS

Por James Jeffrey, da IPS – 

Adis Abeba, Etiópia, 12/4/2016 – A crise política interna mais grave já enfrentada pelo governo da Etiópia começou em um deteriorado campo de futebol, que se converteu no veículo para expressar um mal-estar social arraigado, que agora ameaça a estabilidade deste país africano. A repressão de um protesto estudantil em Ginchi, pequena cidade a 80 quilômetros desta capital, foi a faísca que acendeu os protestos da comunidade oromo, o maior grupo étnico da Etiópia, que representa um terço dos 95 milhões de habitantes do país.

Na medida em que crescem, os protestos parecem se dirigir cada vez mais ao plano de expandir Adis Abeba para os limites de Oromia, a maior das nove divisões administrativas que rodeiam Adis Abeba.A posse da terra se tornou um assunto cada vez mais polêmico, na medida em que a Etiópia se abre ao mundo, uma tendência que afeta particularmente muitos países em desenvolvimento.Os investimentos internacionais buscam cada vez mais oportunidades não relacionadas com ações nem bônus voláteis, como é o caso das terras de outros países.

Pouquíssimos terrenos concentram tanta atenção como os da Etiópia, com suas terras baixas irrigadas por tributários do rio Nilo Azul, particularmente caudaloso.O governo etíope tomou a dianteira e se apressou em responder a esses interesses: desde 2009 arrendou 2,5 milhões de hectares para mais de 50 investidores estrangeiros da Índia, Turquia, Paquistão, China, Sudão e Arábia Saudita.

O Plano-Mestre de Desenvolvimento Integrado de Adis Abeba reflete uma tendência preocupante para os oromos, muitos dos quais são pequenos agricultores com poucas terras à disposição. Mas os protestos continuaram mesmo depois que a Organização Democrática dos Povos Oromos, que integra a coalizão governante, decidiu arquivar o plano, em uma marcha à ré considerada histórica no país.

“Os contínuos e incansáveis protestos generalizados são uma clara mensagem sobre a falta de confiança de um setor da população jovem e preocupada, que se sente marginalizada”, diz um editorial de fevereiro do jornal Fortune, com sede em Adis Abeba.Muitos analistas locais e estrangeiros concordam que, embora os protestos tenham nascido como uma expressão de identidade étnica centrada na posse da terra, há outras questões mais profundas que os sustentam, como corrupção, eleições irregulares, marginalização política e socioeconômica, que preocupam numerosos cidadãos desencantados.

O número de pessoas mortas desde novembro, segundo organizações de direitos humanos internacionais, ativistas e analistas, estão entre 80 e mais de 250, devido aos episódios de violência. Entretanto, muitas pessoas acreditam que esse é o melhor em relação ao número de vítimas que poderia haver se o governo perdesse o controle e reinasse a anarquia. Os protestos foram arrebatados da cidadania por grupos que buscam instalar a violência, afirmou GetachewReda, porta-voz do governo etíope.

As forças de segurança da Etiópia estão equipadas para reprimir manifestações da comunidade, com numerosos casos de violência e enfrentamentos. Foto: James Jeffrey/IPS
As forças de segurança da Etiópia estão equipadas para reprimir manifestações da comunidade, com numerosos casos de violência e enfrentamentos. Foto: James Jeffrey/IPS

Apesar da violência registrada em fevereiro no sul, numerosos analistas concordam em apontar que, na maioria,os protestos da comunidade oromoforam pacíficos, uma expressão de toda sua diversidade, a fim de denunciar os numerosos problemas que enfrentam em sua vida cotidiana. “Também se trata de contar com uma estrutura de governo competente”, ressaltou Daniel Berhane, destacado blogueiro político que escreve sobre a Etiópia para o site Horn Affairs (Assuntos do Chifre da África).

“Há ministérios vizinhos que não se falam, e seja em nível regionaloudistrital, os funcionários se atribuem responsabilidades e trocam críticas. As pessoas sentem falta da competição em matéria de governança”, acrescentouBerhane.O governo ouviu o povo, destacou Getachew. Porém, numerosos analistas afirmam que as autoridades devem permitir que a cidadania exerça seu direito constitucional de protestar, para evitar que a situação se deteriore ainda mais.

Muitas vezes o governo recorreu ao exército para apoiar a polícia federal, duas forças acusadas de reprimir duramente os manifestantes, o que se somou aos motivos de protesto e derivou em muitos controvertidos episódios de violência. Mas a repressão de manifestantes e as detenções arbitrárias de estudantes, que iniciaram os protestos, não são novidade na Etiópia e remontam à ditadura militar, que governou o país entre 1974 e 1991.

Muitos dos exilados desse período fazem parte da vasta diáspora, e o governo afirma que a oposição externa, com apoio de ativistas residentes nos Estados Unidos, manipula a situação segundo seus interesses. “A diáspora aumenta sim os fatos, mas independente de agitar, não pode dirigir um povo inteiro na Etiópia, isso se trata de inconformismo”, afirmou JawarMohammed, diretor executivo da Rede de Meios Oromia, com sede nos Estados Unidos, duramente criticada pelo governo e por analistas independentes por avivar o conflito nesse país.

A detenção de dirigentes do partido Congresso Federalista Oromo, o maior de Oromia, além dos milhares de presos políticos, dão prioridade à busca de uma solução de longo prazo, acrescentouMohammed. A governança atualmente atravessa uma tensão intrínseca na Etiópia. “O espaço político se restringiu cada vez mais, se tornou desigual, sem competitividade e é desagradável, ao contrário da diversidade de desejos e interesses da sociedade etíope”, afirma o editorial do jornal Fortune.

Muita água correu desde aqueles eufóricos dias de otimismo, quando se concretizou a nova Constituição federal após o fim da ditadura militar, em 1991. O mesmo analista opinou que o governo merece algum crédito por concretizar uma Constituição que reflete o caráter multiétnico da Etiópia e por estender os serviços básicos, a infraestrutura, promover o respeito das diferentes identidades culturais e étnicas, e melhorar a integração da vasta população muçulmana.

Mas a Constituição federal abraça uma filosofia liberal que o governo não parece reconciliar com seu processo de tomada de decisões. E, aparentemente, a situação vai piorar antes de melhorar, a menos que sejam resolvidas as causas do mal-estar social. As autoridades reconheceram que as consultas sobre o plano-mestre não foram suficientes, especialmente com relação às pessoas que serão mais afetadas por ele.

O que acontece na Etiópia pode chegar a ser uma antecipação do que acontecerá em outras partes quando forças globais, como o crescimento de uma população urbana nos países em desenvolvimento que come mais do que planta, se chocarem com o desejo das populações indígenas de proteger suas terras ancestrais.“Um preceito fundamental da criação do partido governante foi seu interesse democrático e social pelos agricultores, que constituem 80% da população. Não é possível se tornar capitalista de repente”, enfatizouBerhane. Envolverde/IPS