Internacional

Escassez alimentar afeta Camarões

A região de Extremo Norte, em Camarões, atravessa uma grave insegurança alimentar, aprofundada pelos ataques do BokoHaram. Foto: MbomSixtus/IPS
A região de Extremo Norte, em Camarões, atravessa uma grave insegurança alimentar, aprofundada pelos ataques do BokoHaram. Foto: MbomSixtus/IPS

Por MbomSixtus, da IPS – 

Iaundé, Camarões, 21/3/2016 – “Diminuíram a quantidade de alimentos que nos davam e ainda não sabemos o motivo. Mas aceitamos”,contou à IPS o nigeriano John Guigue, um professor residente no acampamento de refugiados de Minawao, na região Extremo Norte de Camarões. “Somos refugiados e não temos alternativa. Tudo o que nos dão é arroz e soja”, afirmou.

Por sua vez, John Bouba, que fugiu da insurgência da organização extremista BokoHaram na Nigéria e reside no mesmo acampamento de refugiados, disse que, quando recebem arroz, o vendem “pela metade do preço do mercado local para usar o dinheiro na compra de milho, moere misturar com o arroz”. Após observar que há escassez de alimentos no acampamento, disse que,“depois de três semanas, comemos arroz até chegarem as rações do próximo mês”.

“Não sabemos o motivo, e estamos agradecidos às pessoas que nos dão alimentos. Não podemos comparar com o que comíamos antes, em nossa casa na Nigéria. Trabalhávamos e comprávamos. Aqui temos que esperar sentados a ajuda das pessoas de boa vontade”,observou Bouba.A queda no fornecimento de alimentos para o acampamento faz parte de um problema regional na província de Extremo Norte, que se exacerba devido à insegurança.

Felix B. F. Gomez, diretor do Programa Mundial de Alimentos (PMA) em Camarões, pontuou à IPS que a insegurança alimentar se deteriorou profundamente em 2015, com o recrudescimento da violência. “O número de pessoas que vivem em insegurança alimentar mais que dobrou desde junho de 2015. Estima-se que cerca de 1,4 milhão de pessoas vivem nessa situação, mais de um terço da população da região”, acrescentou. Além disso, destacou que “aproximadamente 200 mil pessoas sofrem uma grave insegurança alimentar, o que representa aumento de 300% em relação a junho de 2015”.

A região de Extremo Norte sofre ataques do BokoHaram desde 2013. No começo de janeiro deste ano, o ministro das Comunicações, IssaTchiromaBakary, informou que essa organização islâmica procedente da Nigéria, responsável por numerosos atentados, assassinou mais de 1.200 pessoas.Em entrevista coletiva concedida no mês passado, em Iaundé,o ministro também afirmou que o exército realizou uma incursão em Goshi, na fronteira com a Nigéria, que deixou 126 insurgentes mortos e libertou cerca de cem pessoas que oBokoHaram mantinha cativas.

A divisão de Logone e Chari é uma das três áreas administrativas da fronteira entre Camarões e Nigéria que sofreram reiterados ataques doBokoHaram. Uma avaliação realizada pelo governo em novembro de 2015 revelava um déficit de cereais de aproximadamente 50 mil toneladas, em comparação com as necessidades da população local.

A região é uma das três divisões administrativas da província de Extremo Norte, onde residem 75 mil refugiados nigerianos e 82 mil deslocados, segundo informe elaborado pelo inspetor do Ministério de Administração Territorial e Descentralização, Enow Abrams Egbe, apresentado em junho de 2015 nesta cidade camaronesa. A avaliação determinou que a falta de alimentos na província é de aproximadamente 132 mil toneladas.

A divisão de Mayo-Tsanaga é onde fica o acampamento de Minawao, que segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), forneceu alojamento a cerca de sete mil refugiados da Nigéria quando começou a funcionar, em julho de 2013.O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) apontou que o acampamento está entre os principais motivos de preocupação pela falta de água, alimentos e alojamento, pois recebeu mais de 48.600 refugiados em outubro de 2015.

“O número de ingressosnos programas de alimentação aumenta desde a deterioração da situação em distritos afetados pela crise instalada pelo BokoHaram”, explicou Gomez. “A situação se agrava na medida em que a insegurança e as restrições de acesso costumam ser obstáculos ao fornecimento regular para zonas afastadas, além de terem sido fechados alguns centros de saúde devido à insegurança”, acrescentou.

A prevalência da má nutrição de moderada a aguda aumentou de 7%, em 2014, para 11,7%, em 2015, e os casos de má nutrição aguda e severa superam em 2% o limite de emergência na região afetada pelo conflito. “Em 2016, prognosticamos que 150 mil crianças menores de cinco anos e mais de 30 mil mulheres com filhos necessitarão de assistência alimentar de emergência. A situação pode continuar se deteriorando se não forem dadas respostas adequadas à insegurança, às más colheitas e às crescentes pressões que o deslocamento de pessoasgera”, destacou Gomez.

O PMA e outras organizações humanitárias conseguiram melhorar a má nutrição no acampamento de Minaw ao reduzir a má nutrição aguda do grau de emergência, no começo de 2015 (cerca de 19%), para menos de 7% em dezembro do mesmo ano.Mas “a má nutrição continua sofrendo crítica fora do acampamento, bem como em toda a região, e é necessário redobrar esforços”, insistiu Gomez.

A esperança para as pessoas que sofrem insegurança alimentar em Extremo Norte está colocada no Plano Nacional de Resposta Humanitária de 2016, lançado pelo governo de Camarões, no dia 25 de janeiro deste ano. O ministro do Interior, Rene Emmanuel Sadi, apresentou o plano, que custará US$ 282 milhões, ressaltando que a iniciativa dará proteção e assistência a cerca de 325 mil pessoas refugiadas e deslocadas em Camarões.

Por sua vez, o secretário-geral adjunto da Organização das Nações Unidas (ONU) para Assuntos Humanitários no Sahel, Toby Lanzer, também afirmou que o principal objetivo do plano é lutar contra a pobreza e restabelecer a segurança nas zonas de conflito. A coordenadora humanitária da ONU em Camarões, Najat Rochidi, afirmou que o plano, apresentado no contexto de um programa regional para a Nigéria e a República Centro-Africana, também se concentrará em questões de insegurança alimentar e má nutrição.

Reforçar a “segurança alimentar exigirá cerca de US$ 85,3 milhões este ano. Somente o PMA necessitará de aproximadamente US$ 40 milhões para organizar a assistência na região de Extremo Norte em 2016, mas até agora só conseguiu 51% dessa quantia”, enfatizou Gomez. Envolverde/IPS