Internacional

Dilma inicia contagem regressiva

A presidente Dilma Rousseff durante encontro com o Movimento de Mulheres, na residência do Palácio da Alvorada, antes do início do julgamento de seu impeachment. Foto: Roberto Stuckert Filho/PR
A presidente Dilma Rousseff durante encontro com o Movimento de Mulheres, na residência do Palácio da Alvorada, antes do início do julgamento de seu impeachment. Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

Por Mario Osava, da IPS – 

Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,23/8/2016 – Só um milagre poderia salvar Dilma Roussef de ser destituída no julgamento político no Senado, que começará no dia 25, com desenlace previsto para seis dias depois. Essa é a avaliação de Fernando Lattman-Weltman, professor de política na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, um crítico do processo contra a presidente, que considera “um golpe”, assim como os partidários de Dilma, afastada do cargo desde 12 de maio.

“Um fato consumado”, é como vê a situação Antonio Augusto de Queiroz, diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, organização que acompanha as questões legislativas para o movimento sindical.Dos 81 senadores, 60 aprovaram o julgamento de Dilma no dia 9 de agosto, o que faz prever que será alcançada com juros a maioria de dois terços exigida pela Constituição para abertura do julgamento que poderá acabar com o longo processo destinado a tirar do poder a primeira mulher que chegou à Presidência do país, ao vencer as eleições de 2010 e ser reeleita em 2014.

O processo de impeachment foi aberto em dezembro, quando o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha – afastado do cargo por denúncias de corrupção e obstrução das investigações contra seus atos – acolheu uma das 37 solicitações feitas por pessoas e instituições para inabilitar Dilma. No dia 17 de abril, a Câmara Federal aprovou por 367 votos contra 137 a continuidade do processo, enviando-o ao Senado, que é a instância julgadora nesses casos.

A acusação é de crime de responsabilidade, um conceito genérico e difuso que permite destituir o chefe do Poder Executivo quando “atenta” contra “o livre exercício” dos demais poderes institucionais, a segurança interna do país, a probidade administrativa, a lei orçamentária e outras legislações.O Senado acolheu o processo por 55 votos contra 22 em decisão adotada em 12 de maio, que determinou o afastamento da presidente do cargo e a designação do vice, Michel Temer, como presidente interino, até a decisão final dos senadores.

Todas essas decisões de deputados e senadoras foram precedidas por resoluções de comissões especiais, aprovadas após longos debates e trâmites processuais. O Senado tinha prazo de 180 dias para concluir o julgamento, mas deverá fazê-lo em 111 dias.“O golpe, a ruptura já ocorreu. Agora se trata apenas de confirmá-lo no Senado”, afirmou Lattman-Weltman à IPS. “É uma saída ruim para a crise, porque diminui as instituições, quebra as regras democráticas, a ordem jurídica”, que requer o voto popular para legitimar o poder, acrescentou.

Manifestação contra a corrupção no Brasil, em apoio à investigação da operação Lava Jato e a favor da saída definitiva de Dilma Rousseff da Presidência, no dia 31 de julho em Copacabana, no Rio de Janeiro. Foto: Tânia Rêgo, Agência Brasil
Manifestação contra a corrupção no Brasil, em apoio à investigação da operação Lava Jato e a favor da saída definitiva de Dilma Rousseff da Presidência, no dia 31 de julho em Copacabana, no Rio de Janeiro. Foto: Tânia Rêgo, Agência Brasil

Mas não é o que pensa uma ampla maioria de legisladores, que vem superando facilmente os dois terços constitucionais para prosseguir com o processo, e da população, que desde 2015 se manifestou em protestos contra o governo de Dilma e do Partido dos Trabalhadores (PT), que governou o país de 2003 a maio deste ano.

“O principal erro da presidente foi a falta de diálogo não só com o parlamento mas também com o mercado, com os empresários”, apontou Queiroz à IPS. “A origem de tudo foi o modo de interferir na economia, reduzindo a margem de lucro do setor privado, sem um diálogo prévio. Enfrentar o sistema financeiro, com ela fez, não prejudica a popularidade do governante, porque ninguém gosta dos banqueiros, mas é diferente com o setor produtivo”, acrescentou.

“Com mais diálogo poderia fazer o que ela fez sem tantos questionamentos, mas preferiu empregar a autoridade em lugar de legitimidade, e a política não perdoa quem a menospreza ou a usa de forma inadequada”, concluiu Queiroz. Dilma decidiu pela luta em seus prováveis últimos dias de Presidência formal.No dia 16 de agosto, divulgou uma mensagem aos brasileiros e ao Senado condenando o “golpe de Estado” que representaria sua destituição e propondo um plebiscito para convocar novas eleições presidenciais e um pacto de “unidade nacional”, como fórmula para superar a crise política.

Sua carta aberta teve escassa repercussão. Eleições presidenciais antecipadas não são viáveis, exigiriam uma emenda constitucional e um tempo que superaria o prazo existente, já que em 2018 haverá as eleições regulares, afirmou o próprio presidente do PT, Rui Falcão.Dilma também decidiu ir ao julgamento no dia 29, para apresentar uma defesa e responder às perguntas dos senadores e advogados de acusação e defesa. Antes pensava apenas em ler suas alegações e não se submeter a interrogatório, que poderá se prolongar por todo o dia.

O julgamento começará antes, no dia 25, com as manifestações iniciais dos advogados e senadores, seguidas dos depoimentos de oito testemunhas de defesa e duas de acusação, que poderiam absorver os dias 27 e 28. A conclusão do processo será no dia 30 deste mês com os argumentos finais da defesa e acusação e de todos os senadores que querem falar, com limite de dez minutos para cada um. Por isso se prevê que a votação dos 81 senadores terminará somente na madrugada do dia 31.

A sorte já está lançada, somente serão cumpridos os ritos formais do julgamento, segundo Queiroz. Ainda assim, há senadores que apostam em uma inesperada reviravolta.“É difícil, mas não impossível”, segundo o senador socialista João Capiberibe, que defende a saída de eleições extraordinárias para retroceder, na prática, ao sistema de “eleições indiretas”, restritas a colégios eleitorais legislativos, típicas da ditadura militar que governou o país entre 1964 e 1985.

Além da falta de um diálogo, “houve erros na condução econômica e uma situação política incontrolável”, apontou Lattman-Weltman, como causas da queda da presidente e do PT. O “fator fundamental foi a insegurança gerada pela operação Lava Jato”, acrescentou a respeito do escândalo de corrupção na Petrobras, que envolveu mais de 200 empresários, políticos, diretores de empresas e funcionários do governo.

A corrupção foi, de fato, o grande problema que, segundo a população, jogou por terra os governos do PT, iniciados em 2003 com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva. Antes do atual escândalo, houve outro em 2005, em que foram condenados vários dirigentes do PT, acusados de compra de votos de parlamentares. Dilma não está diretamente acusada, mas como chefe de dois governos petistas se viu envolvida pela ira nacional contra a corrupção.

A ironia, e o que deixa Dilma e seus defensores mais inconformados, é que sua destituição será decidida por um Congresso Nacional povoado e dirigido por parlamentares denunciados, ou que já são réus, por corrupção, cujos julgamentos estão a cargo do Supremo Tribunal Federal, onde os julgamentos duram muito e as sentenças demoram muito tempo. Envolverde/IPS