Internacional

Conflitos agravam a pobreza rural

Agricultor angolano. Foto: Louise Redvers/IPS
Agricultor angolano. Foto: Louise Redvers/IPS

Por Thalif Deen, da IPS – 

Nações Unidas, 8/1/2016 – Um número cada vez maior de conflitos armados e políticos, em sua maioria na África, ameaça socavar a batalha em curso contra a pobreza rural. Atualmente, nove das 16 missões de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) estão na África, incluindo República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Costa do Marfim, Mali, Sudão e Sudão do Sul. Ao mesmo tempo, uma missão de paz da União Africana está presente em Burundi, que se encontra à beira da guerra civil.

A IPS perguntou a Shenggen Fan, diretor do Instituto Internacional de Pesquisa Sobre Políticas Alimentares, com sede em Washington, se os conflitos atuais implicam retrocessos na luta contra a pobreza rural. “Naturalmente. É nas regiões ou nos países em conflito que a pobreza e a fome têm os níveis mais altos”, respondeu. Em algumas dessas zonas em conflito, a fome e a pobreza se agravaram em comparação com o resto do mundo, onde diminuíram, acrescentou.“Como sabemos, a maior parte da fome e da pobreza se encontra no meio rural. Temos que romper o círculo vicioso dos conflitos e da fome”, afirmou Fan, que recebeu o prêmio Herói Contra a Fome 2014, do Programa Mundial de Alimentos (PMA).

Carla Mucavi, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), insistiu, em outubro, diante do Comitê Econômico e Financeiro da ONU, na necessidade do desenvolvimento agrícola e rural, já que 75% da população pobre do planeta vive em zonas rurais dos países em desenvolvimento.Em setembro, o PMA anunciou aumento na ajuda alimentar a centenas de milhares de pessoas, muitas com desnutrição severa, que fugiram dos ataques do grupo extremista Boko Haram no nordeste da Nigéria rumo a Camarões, Chade e Níger.

Segundo o PMA, cerca de 750 mil pessoas de países limítrofes com a Nigéria sofrem o agravamento de uma crise alimentar derivada da violência do Boko Haram.

Danielle Nierenberg, a presidente da organização Food Tank, apontou à IPS que a pobreza equivale à insegurança alimentar em muitas zonas rurais do Sul em desenvolvimento, especialmente na África subsaariana. Quando as colheitas são ruins e não há comida suficiente, os pobres do meio rural não têm redes de segurança, destacou.Em consequência, a desnutrição, o atraso no crescimento e a falta de micronutrientes afetam milhões de pessoas, afirmou. Lamentavelmente, quando as pessoas têm fome, ficam com raiva, como resultado da falta de emprego, de infraestrutura rural, de educação e pelo impacto da mudança climática.

“Isso pode provocar distúrbios sociais, como vimos durante a Primavera Árabe ou atualmente na Síria. Por essa razão, é importante que os governos invistam não só no meio rural, mas também que as zonas rurais sejam lugares economicamente e intelectualmente estimulantes para os jovens, e que vejam a agricultura como uma oportunidade, não como um peso”, ressaltou Nierenberg.

Para a presidente da Food Tank, o investimento na próxima geração de dirigentes agrícolas – que inclui camponeses, cientistas, pesquisadores e responsáveis políticos – não é importante apenas para a segurança alimentar, mas também para a segurança nacional e internacional. “Se, verdadeiramente, nos importamos com a prevenção do terrorismo e do mal-estar social, temos que investir e apoiar a agricultura e os meios de vida rural”, enfatizou.

Por sua vez, Fan afirmou que os conflitos e as guerras obrigam as pessoas a abandonarem suas casas e se deslocar dentro de seus países ou para outros. Cada vez mais esses refugiados vivem em centros urbanos ou regiões não agrícolas, como Jordânia, Turquia, Líbano, e ultimamente Europa. A maioria dos campos de refugiados está próxima das cidades.“Assim, devemos prestar cada vez mais atenção à pobreza e à fome nas zonas urbanas, porque as pessoas estão se deslocando para as cidades, seja por razões econômicas ou por conflitos. A mudança climática complicará ainda mais o desafio”, pontuou.

Tim Brewer, analista da organização britânica WaterAid, indicou que a falta de serviços básicos de saúde pública é um problema enorme nas zonas rurais dos países em desenvolvimento. Mais de 426 milhões de pessoas nos países de rendas baixa e média não têm acesso a água potável, e mais de 1,35 bilhão tampouco têm saneamento básico, acrescentou.

“A pobreza rural costuma seguir de mãos dadas com a falta de acesso a água potável”, apontou Brewer. Por exemplo, prosseguiu, em média, 32,3% dos africanos subsaarianos não têm acesso a água potável e mais de 70% carecem de acesso a um banheiro privado. Nas zonas rurais, os números são ainda piores e chegam a 44% e 77%, respectivamente. Brewer ressaltou que as taxas de defecação ao ar livre, um grande risco de transmissão de doenças, também são muito maiores nas zonas rurais. Isso se repete em quase todos os países em desenvolvimento.

A tarefa de buscar água costuma recair sobre as mulheres e meninas, o que lhes toma um tempo valioso, que poderiam usar no cuidado da família, na geração de renda, ou com estudos e lazer.As doenças causadas pela água suja e pelo saneamento deficiente implicam perdas de produtividade e de tempo no sistema educacional e sobrecarregam os centros de saúde, por si só frágeis. Tudo ajuda a perpetuar o ciclo da pobreza, opinou Brewer.

O analista da WaterAid observou que “a diarreia continua sendo uma das três principais causas de morte infantil. A septicemia mata meio milhão de recém-nascidos em todo o mundo anualmente, e é causada por infecções que frequentemente podem ser prevenidas com boas práticas de higiene que requerem serviços de água e saneamento”.De acordo com Brewer, o número de pessoas com acesso a água potável em todo o mundo está crescendo, mas o progresso é desigual, especialmente nos países mais pobres. Envolverde/IPS