Economia

Chantagem marca jogo político no Brasil

A presidente Dilma Rousseff, entre assessores com expressões sérias, após falar à imprensa, pouco depois de ser anunciada a aceitação do pedido de impeachment pelo presidente da Câmara Federal. Foto: Lula Marques/Agência PT
A presidente Dilma Rousseff, entre assessores com expressões sérias, após falar à imprensa, pouco depois de ser anunciada a aceitação do pedido de impeachment pelo presidente da Câmara Federal. Foto: Lula Marques/Agência PT

Por Mario Osava, da IPS – 

Rio de Janeiro, Brasil, 4/12/2015 – O processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff finalmente deixou de ser uma ameaça que vinha envenenando a política no Brasil. Agora poderá ser uma batalha traumática, mas à luz do dia. O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, anunciou, no dia 2, que decidiu abrir um processo político para a destituição da presidente, acolhendo a denúncia de três juristas, entre eles Hélio Bicudo, cofundador do Partido dos Trabalhadores (PT), e Miguel Reali Júnior, ex-ministro da Justiça.

Cunha anunciou sua decisão poucas horas após saber-se que o PT votará contra ele no Conselho de Ética e Decoro da Câmara, que investiga o dinheiro que ele possui em bancos suíços, supostamente produto da corrupção nos negócios da Petrobras, um escândalo que já inclui mais de 170 políticos e empresários.

Isso confirmou o que já era comentado nos meios de comunicação, mas não admitido publicamente por seus protagonistas: a existência de um acordo tácito entre o Palácio do Planalto e Cunha, que vem obstruindo as ações que podem levar à destituição de Dilma e do deputado. O “abraço” entre os dois ameaçados tinha por trás a agressiva ação opositora de Cunha, embora seja membro do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), principal aliado do PT na coalizão governante.

O PT conta com três membros entre os 21 do Conselho de Ética. Seus votos são considerados decisivos no caso de Cunha, que como presidente da Câmara tem o poder de acolher ou não pedidos de impeachment de chefes do Poder Executivo. Os três deputados petistas optaram por se alinhar com a direção do Partido e da opinião pública, que rejeita Cunha por esmagadora maioria, resistindo às pressões do Planalto, mais preocupados em preservar a presidente e contar com condições para a votação legislativa de medidas exigidas pela economia em uma agravada crise.

“Mudou o jogo, há outro tabuleiro com alguma luz, após meses de incerteza”, afirmou à IPS Fernando Lattman-Weltman, professor de política na Universidade Estadual do Rio de Janeiro. “Um processo de impeachment provoca radicalizações não só no Congresso, envolve toda a sociedade, mas a esperança é que o jogo fique mais claro, com todas as cartas na mesa”, prosseguiu. “Cunha acabou, não dispõe de mais sobrevivência, agora que jogou sua última carta, entregou a arma de chantagem”, a ação contra a presidente que vinha adiando, pontuou.

Cunha, polêmico desde sua nomeação em fevereiro, é acusado de violar o decoro parlamentar, por mentir ao afirmar em março que não possuía contas bancárias no exterior, quando prestou depoimento na Comissão que investigou a corrupção na Petrobras. Mas a Procuradoria da Suíça o desmentiu meses depois, e enviou documentos sobre suas contas à Procuradoria brasileira.

Eduardo Cunha, presidente da Câmara Federal, entre um enxame de microfones, ao anunciar a decisão de acolher o pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, que pode levar à sua destituição. Foto: Alex Ferreira/Câmara dos Deputados
Eduardo Cunha, presidente da Câmara Federal, entre um enxame de microfones, ao anunciar a decisão de acolher o pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, que pode levar à sua destituição. Foto: Alex Ferreira/Câmara dos Deputados

O presidente da Câmara já era acusado de receber subornos de empresas que conseguiram contratos milionários com a Petrobras, pelo testemunho de quatro processados que decidiram colaborar com a justiça, revelando o que sabem para obter redução em suas possíveis condenações. Por isso é difícil que consiga manter a condição de deputado, que perderá se o Conselho de Ética considerar que violou as normas do parlamento, e o plenário da Câmara, por maioria de seus 513 deputados, aprovar essa acusação.

No entanto, sua queda levaria vários meses. Além do mais, Cunha e dezenas de parlamentares investigados poderão ser presos, mas somente com autorização do Supremo Tribunal Federal, único fórum que pode julgar membros dos poderes Executivo e Legislativo.

O julgamento parlamentar contra a presidente é mais incerto, segundo Lattman-Weltman. O mais provável é que Dilma “consiga superar o desafio, em dura batalha com a oposição e dependendo de como reagir a sociedade”. Para o impeachment ser aprovado é necessária maioria de dois terços dos deputados, o que autorizaria o julgamento político, que é realizado pelo Senado, onde também é necessária maioria de dois terços para condenar o processado por “crime de responsabilidade”.

O processo é longo, porque começa em uma comissão de deputados de todos os partidos, em número proporcional à bancada. Nesse caso, Dilma é acusada de violar a lei de responsabilidade social, por assinar decretos que aumentam os gastos públicos sem autorização legislativa. Ela nega essa ilegalidade.

No Congresso Nacional será decidida ao longo dos próximos meses a sorte política da presidente Dilma Rousseff. Foto: Congresso do Brasil
No Congresso Nacional será decidida ao longo dos próximos meses a sorte política da presidente Dilma Rousseff. Foto: Congresso do Brasil

O impeachment exige um crime concreto durante o mandato atual, mas se trata de um julgamento político, com critérios distintos dos jurídicos. O ex-presidente Fernando Collor foi condenado em 1992 pelo Senado, que retirou seus direitos políticos por oito anos, enquanto o Supremo Tribunal não encontrou provas suficientes para condená-lo por corrupção.

Um grave efeito da nova disputa política é seu reflexo na economia, já em recessão desde 2014, que muitos já chamam de depressão. O terceiro trimestre deste ano registrou queda do produto interno bruto de 4,5% em relação a igual período do ano passado. Os economistas preveem alguma recuperação em 2017. Com desemprego na casa dos 7,9% em outubro, contra 4,7% em outubro do ano passado, e inflação com taxa anual de 10%, o Brasil sofre uma das piores crises de sua história. O caos político agrava a situação, ao criar obstáculos à adoção de medidas e incertezas que reduzem investimentos, consumo e crédito.

Como se fosse pouco, pendia a ameaça de paralisia total do governo este mês, por descumprimento do superávit fiscal previsto no orçamento. Mas o governo conseguiu a aprovação no Legislativo, também no dia 2, de uma lei que lhe permite fechar o ano com déficit equivalente a US$ 31 bilhões, aliviando a tensão. Sem isso, seria necessário cortar todos os gastos possíveis, inclusive água e energia de edifícios públicos e viagens da própria presidente, por exemplo, para a posse do novo presidente argentino, Mauricio Macri, no dia 10.

Foi uma vitória do governo, que conseguiu aprovar várias medidas econômicas nas últimas semanas, depois de sofrer muitas derrotas durante este ano, especialmente na Câmara dos Deputados, muito influenciada por seu presidente.

“A liderança de Cunha se esvaziou, já não tem poder nem legitimidade para cobrar fidelidade de seus aliados em questões que não sejam a preservação de seu mandato”, afirmou à IPS Antonio Augusto de Queiroz, diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar. E, diante da deterioração do quadro político e das dificuldades do governo, os parlamentares “estão respondendo à pressão da sociedade e dos agentes econômicos, entendendo que a crise política não pode paralisar o país”, destacou.

O escândalo desatado pela Operação Lava Jato, com procuradores e policiais investigando a corrupção em projetos petroleiros, “deixa todos os políticos preocupados”, especialmente após a detenção, no dia 25 de novembro, de Delcidio do Amaral, líder da bancada do PT no Senado.

Leis recentes, como as de combate ao crime organizado e a legitimação de capitais, dão “um poder inédito, com instrumentos de ação” aos órgãos de controle como a Procuradoria, a Polícia Federal e os tribunais de contas, “reduzindo a cultura do segredo e ampliando a transparência”, com efeitos positivos para a política, concluiu Queiroz. Envolverde/IPS