Internacional

Ajuda contra perseguição de minoria muçulmana

Uma menina no gueto de Aung Mingalar,emSittwe, no Estado Rakáin, na Birmânia. Foto: Sara Perria/IPS
Uma menina no gueto de Aung Mingalar, em Sittwe, no Estado Rakáin, na Birmânia. Foto: Sara Perria/IPS

Por Sara Perria, da IPS – 

Rangun, Birmânia/Londres, Grã-Bretanha, 31/8/2016 – O governo da Birmânia respondeu às pressões da comunidade internacional para resolver a tensão e a perseguição contra os muçulmanos rohinyá, no Estado de Rakáin, criando uma comissão assessora encabeçada pelo ex-secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Kofi Annan.Essa região fronteiriça com Bangladesh atrai a atenção do Ocidente e de algumas agências da ONU desde 2002, quando começaram os enfrentamentos entre a comunidade budista e essa minoria muçulmana.

A violência, da qual participaram monges extremistas, segundo observadores de direitos humanos, deixou 200 mortos, na maioria muçulmanos.Desde então, cerca de cem mil rohinyás muçulmanos residem em acampamentos para refugiados e em guetos. Entretanto, as possibilidades de educação e emprego, bem como as de serviços médicos, são tão precárias que milhares deles embarcaram em uma perigosa travessia para os países do sudeste asiático, levados por traficantes de pessoas.

“O governo de Myanmar (nome dado ao país pela junta militar) quer encontrar uma solução sustentável para este complicado assunto no Estado de Rakáin, por isso formou uma comissão assessora”, explicou o escritório de Aung San Suu Kyi, em comunicado que anunciou a designação de Annan, no dia 24 deste mês. A prêmio Nobel da Paz, que obteve uma vitória esmagadora nas eleições de novembro de 2015 e assumiu o governo há cinco meses, embora ainda o compartilhe com os militares, foi criticada por sua reticência em enfrentar este assunto.

Túmulos das pessoas assassinadas em 2012 após os enfrentamentos entre a comunidade budista e a minoria muçulmana da Birmânia. Foto: Sara Perria/IPS
Túmulos das pessoas assassinadas em 2012 após os enfrentamentos entre a comunidade budista e a minoria muçulmana da Birmânia. Foto: Sara Perria/IPS

Outro premiado, o Dalai Lama, foi uma das figuras internacionais que mais a questionaram no passado.Mesmo quando era líder da oposição, durante o governo militar anterior,Suu Kyi foi acusada de não falar em defesa dos 1,1 milhão de rohinyás, apesar de seu status de grande defensora dos direitos humanos, após passar 15 anos em prisão domiciliar. Porém, em reiteradas ocasiões, pediu uma solução rápida e transparente para a falta de status legal da minoria muçulmana, que se prolonga desde 1982, quando a junta militar dirigida por Ne Win retirou seus direitos.

A Liga Nacional para a Democracia (LND) evita utilizar o termo rohinyá, pois gera controvérsia devido a disputas históricas e irrita os dirigentes nacionalistas, o grupo majoritário no parlamento de Rakáin. De fato, em maio, o governo recomendou às embaixadas estrangeiras, inclusive dos Estados Unidos, que não usassem esse termo.

E, em uma reunião com o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, Suu Kyi disse que também evitaria o termo bengali, como são chamados pelos militares, mas que eles rechaçam porque os identifica como imigrantes ilegais da vizinha Bangladesh, e não como os residentes de longa data que são. Por sua vez, um comunicado da Fundação Kofi Annan, com sede em Genebra, decidiu que tampouco usaria o termo rohinyá.

A comissão assessora, com assistência da Fundação Kofi Annan, “iniciará o diálogo com os líderes políticos e comunitários de Rakáin para propor medidas que melhorem o bem-estar dos habitantes do Estado”, diz o comunicado. Entre os temas a serem discutidos, há “questões humanitárias e de desenvolvimento, acesso a serviços básicos, garantias de direitos básicos e segurança do povo de Rakáin”, acrescenta. As recomendações e o informe final serão entregues no ano que vem diretamente ao governo da Birmânia.

A comissão, que se reunirá pela primeira vez em setembro, também inclui Ghassan Salamé, ex-assessor da ONU, a diplomata holandesa Laetitia van den Assum, e representantes da Sociedade da Cruz Vermelha da Birmânia e de organizações religiosas e de direitos humanos. Mas muitas pessoas estão descontentes com a participação de estrangeiros, como disseram autoridades do Partido Nacional Arakán.

Adolescentes limpam uma vala antes da estação chuvosa no gueto muçulmano de Aung Mingalar em Sittwe, no Estado de Rakáin, na Birmânia. Foto: Sara Perria/IPS
Adolescentes limpam uma vala antes da estação chuvosa no gueto muçulmano de Aung Mingalar em Sittwe, no Estado de Rakáin, na Birmânia. Foto: Sara Perria/IPS

“Não podemos aceitar esses fatos só depois que os assuntos internos se converteram em internacionais”, disse o jornal Eleven Myanmar.Algumas organizações de budistas extremistas, como o movimento 969, encabeçado por Ashin Wirathu, destacado monge de Mandalay, e a nacionalista Ma Ba Tha Organização para a Proteção da Raça e da Religião criticaram duramente a iniciativa da comissão e a influência estrangeira, e denunciaram que o Islã adentra no país como um risco para a maioria de Rakáin.

As mensagens nacionalistas ecoaram na Birmânia, onde 90% da população é budista. Os muçulmanos, que têm várias origens étnicas, não são apenas rohinyás, mas constituem cerca de um terço dos três milhões de habitantes de Rakáin, um dos Estados mais pobres do país.Um dos grandes desafios para a Comissão será encontrar um equilíbrio entre a urgência de se obter uma solução para a desesperada situação dos rohinyás e melhorar as condições de vida para toda a população de Rakáin.

A concentração da ajuda humanitária na década de 1990 nas áreas muçulmanas desse Estado deu a impressão de que existe um desequilíbrio na assistência em prejuízo da população local, segundo Gabrielle Aron, que redigiu um relatório a respeito para a CDA Collaborative Learning Projects.Um dos assuntos mais difíceis que o governo deverá resolver é a questão de conceder aos rohinyás direitos como cidadãos sem chocar os nacionalistas budistas. Enquanto isso, os militares, que se colocam como protetores da identidade budista, continuam chamando-os de bengalis.

Chris Lewa, diretora do Arakan Project, explicou que “já houve informes com recomendações. Agora são necessárias ações e a implantaçãodo que já foi recomendado em termos de liberdade de deslocamento e de acesso a saúde, por exemplo”. Mas a extensão do mandato da Comissão não está claro,criticou. “Me preocupa que a Comissão não seja significativa. É bom que Annan participe para elevar o perfil do mandato, mas há o risco de ser uma fachada para que a LND ganhe tempo e evite críticas internacionais”, apontou.

Enquanto isso, a situação em Rakáin e nos acampamentos não mudou muito desde que a LND chegou ao governo. As condições continuam sendo miseráveis, com as casas de bambu desmoronando.E o que é mais importante, a questão crucial é que não se atende à questão da liberdade de deslocamento para que possam ter acesso a serviços de saúde. “O governo central precisa encontrar uma forma e obrigar Rakáin a aceitar os rohinyás”, pontuou Lewa. De todo modo, destacou que a rejeição do governo de Suu Kyi em utilizar o termo bengali é um pequeno elemento positivo.

Por sua vez, Tun Khin, presidente da Organização dos Rohinyás Birmaneses da Grã-Bretanha, lamentou a falta de representantes dessa comunidade na comissão de Kofi Annan. “Queremos saber como vão consultar a comunidade rohinyá. Também nos preocupa como o governo atuará para receber as recomendações. As pessoas não podem esperar pela comida”, ressaltou. Envolverde/IPS