Política Pública

Camponeses rejeitam projeto chinês no Sri Lanka

Por Amantha Perera, da IPS – 

Beragama, Sri Lanka, 13/1/2017 – Este é um típico povoado rural do Sri Lanka, com arrozais salpicados por pequenas casas e um templo em sua maior elevação. A modernidade não parece ter chegado a Beragama, apesar de estar muito próximo do segundo maior porto do país e do segundo maior aeroporto internacional. Por isso, em parte, as mudanças que se avizinham geram ansiedade nessa localidade do distrito de Hambantota, 250 quilômetros ao sul de Colombo, capital do país, onde um projeto chinês de US$ 1,5 bilhão poderá tragar essa vila e os mais de seis mil hectares adjacentes.

“Sobre meu cadáver”, protestavam camponeses em Beragama, no Sri Lanka, contra os agrimensores estatais, por medo de perderem suas terras. Foto: Sanjana Hattotuwa/IPS

Tanto o presidente, Maithripala Sirisena, como o primeiro-ministro, Ranil Wickremasinghe, querem assinar um acordo com uma empresa chinesa, que participaria do novo porto de Magampura e em uma futura zona de investimento. O projeto aliviaria o peso da enorme dívida nacional, de aproximadamente US$ 64 bilhões, dos quais US$ 8 bilhões são devidos a Pequim. Entre 2016 e 2017, os pagamentos da dívida estariam em torno de US$ 8 bilhões. O governo necessita desesperadamente desse dinheiro para recuperar a frágil economia nacional. A situação chegou a tal ponto que, dois anos após o início de sua gestão, recorreu aos mesmos capitalistas que havia rechaçado em 2015.

O ex-presidente Mahinda Rajapaksa seguiu uma política favorável à China, apesar do risco de descontentar outra potência regional, como a Índia. O novo governo tratou de seguir uma política pró-ocidental, inclusive suspendendo o único grande projeto de investimento de US$ 1,5 bilhão no porto da capital. Mas, sem novos investimentos, Colombo teve que pedir ajuda a Pequim.

“Não somos contra os investimentos, mas não queremos perder nossas terras e nem as nossas casas”, explicou à IPS Nandana Wijesinghe, de Beragama. A população local se queixa de os chineses quererem as terras mais férteis e as áreas mais próximas do porto. “Por que não pegam as terras com arbustos? Há muita”, argumentou o morador. Quando começaram a circular os rumores de que essa aldeia estava na mira dos investidores e que o governo avançava no acordo, seus moradores começaram a se reunir no templo, e ali, em meados de novembro, decidiram que não abandonariam suas terras.

Assim, quando os agrimensores chegaram para mapear a região, eles os detiveram. “Pedimos às autoridades de Colombo que venham nos explicar a situação. Até lá, não permitiremos nada disso”, afirmou à IPS S. Chandima, enquanto outros moradores cercavam os funcionários que haviam chegado para realizar seu trabalho. Os funcionários locais disseram, no final do ano passado, que ainda não estava decidido quais terras seriam cedidas sob contrato de arrendamento de 99 anos.

“No momento temos instruções para medir, nada mais. Não temos informações de quais terras serão oferecidas”, pontuou S H Karunarathne, secretário do distrito de Hambantota. Mas ali já começaram os protestos contra o futuro projeto e, aos poucos, forma-se um movimento contrário. Um dos fatores que preocupam o atual governo é que Hambantota é a terra natal de Rajapaksa, onde propiciou investimentos multimilionários, como o porto, o aeroporto – que opera um voo diário em seu pico de atividade –, um estádio de críquete, agora usado para festas de casamento, e um centro de convenções, que permanece fechado.

Rajapaksa, um defensor dos investimentos chineses no Sri Lanka entre 2009 e 2014, agora se opõe à cessão de terras. “São terras agrícolas de camponeses. Não nos opomos à vinda de chineses, indianos ou norte-americanos. Mas somos contra dar-lhes terras e às privatizações que estão acontecendo”, afirmou a correspondentes estrangeiros em Colombo. De fato, segundo disse, discutiu o problema com funcionários chineses que visitaram o país, ressaltando que previa substituir o atual governo este ano.

O multimilionário Aeroporto Internacional Mattala, inaugurado no Sri Lanka em 2013, agora só recebe um voo diário em seu pico de atividade. O governo explora alternativas para torná-lo viável. Foto: Amantha Perera/IPS

 

O outrora homem forte do Sri Lanka, Rajapaksa gozou de grande popularidade, especialmente entre a maioria cingalesa do país, quando derrotou os insurgentes tâmeis após três décadas de guerra civil. Apesar de sua derrota eleitoral há dois anos, continuou sendo um líder importante e retornou, nos últimos meses, a uma vida política mais ativa, embora sem participar dos protestos em Hambantota.

Mas seu filho mais velho, o legislador Namal Rajapaksa, participou de uma manifestação. Toda a corrente de apoio aos protestos contra o governo nessa zona do sul do país poderá estar encabeçada a qualquer momento por Rajapaksa. O governo já adiou uma vez a cerimônia de cessão de terras para o final deste mês. Mas o ministro de Estratégias de Desenvolvimento e Comércio Internacional, Malik Samarawickrama confirmou que o acordo avançaria no final de janeiro.

O adiamento não acalmou os ânimos em Hambantota, pelo contrário. Quando o primeiro-ministro e o embaixador da China chegaram para inaugurar o distrito industrial, ocorreram enfrentamentos entre polícia e manifestantes, entre os quais havia monges budistas contrários ao projeto. A inauguração aconteceu, apesar dos caminhões com lançadores de água e de gás lacrimogêneo que se propagaram por todos os lados, o que não é um bom presságio para o futuro. Envolverde/IPS